Um relatório em posse do Ministério da Justiça identifica ao menos oito militares da ativa lotados na Presidência da República durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) que compareceram no ano passado a atos no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
Além disso, o documento mostra que alguns participaram de grupo de WhatsApp em que foram trocadas e compartilhadas mensagens antidemocráticas e ameaças ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O relatório foi produzido durante a transição de governo com base em conversas obtidas de grupos de WhatsApp. Os militares estavam alocados em especial no GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência durante a gestão do general Augusto Heleno, um dos principais aliados de Bolsonaro.
Alguns dos militares confirmaram à Folha a ida ao acampamento, mas disseram que foram sem farda e negaram que tenham se manifestado politicamente ou apoiado posições antidemocráticas e violentas.
Dois deles tiveram a dispensa da Presidência publicadas no Diário Oficial da União desta quinta-feira (19).
De acordo com o dossiê, várias trocas de mensagens, áudios, vídeos e fotos mostram que esses militares encorpavam os atos antidemocráticos em frente ao QG do Exército. Pelo menos um afirmava intenções violentas contra petistas.
Desde a derrota de Bolsonaro, a área em frente ao quartel-general do Exército se transformou em uma base de bolsonaristas inconformados com o resultado das eleições. Eles pediam um golpe das Forças Armadas para impedir a posse de Lula.
O acampamento abrigou apoiadores de Bolsonaro envolvidos em ao menos três episódios violentos: a tentativa de invasão ao prédio da PF e depredações na região central de Brasília, em 12 de dezembro; a instalação da bomba próxima a um caminhão de combustíveis; e o ataque aos prédios do STF (Supremo Tribunal Federal), Congresso e Palácio do Planalto em 8 de janeiro.
Depois de algumas tentativas bloqueadas pelo Exército, o acampamento foi esvaziado pela Polícia Militar do Distrito Federal em 9 de janeiro, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A operação de desmobilização ocorreu um dia após o quebra-quebra na praça dos Três Poderes.
Em um dos grupos de militares, integrantes da própria segurança pessoal do então presidente Bolsonaro aparecem, sem farda e geralmente com camisa da seleção brasileira de futebol, em fotos no QG. Eles encorajaram outros colegas a irem após o expediente com suas famílias para o local.
O dossiê cita ainda um vídeo curto postado num grupo de mensagens em que uma imagem de Lula discursando é colocada na mira de um atirador de elite, sugerindo que o presidente fosse abatido por um sniper no dia 1º de janeiro, data da posse.
Uma das fotos postadas nos grupos mostram o major Alexandre Nunes, apontado como sendo do Exército, o sargento da Marinha Márcio Valverde e uma pessoa identificada como sargento Azevedo, da Aeronáutica.
Sobre Nunes, o dossiê aponta a existência de informes sobre sua atuação com representantes diplomáticos. Ele teria dito a essas pessoas que Lula não subiria a rampa.
Valverde, por sua vez, era da segurança presidencial e foi nomeado em 2020 como assistente no GSI.
Outro que aparece é Ronaldo Ribeiro Travasso. O militar da Marinha estava no GSI quando foi aos atos no acampamento. Como revelou a Folha, ele disse que daria um tiro na cabeça do próprio irmão se ele fizesse o L —gesto característico dos eleitores de Lula.
Da Marinha, os outros citados no documento são Estevão Soares, Thiago Cardoso, Marcos Chiele e Fernando Carneiro Filho.
“Não tô falando isso de brincadeirinha, não, é sério. Quem faz o L é terrorista. Tem que morrer mesmo, ou mudar ou morrer, porque não tem jeito uma pessoa dessa”, diz Travasso em resposta a uma mensagem postada e depois apagada por Estevão. Nesta quinta, o Diário Oficial trouxe a dispensa de Chiele e Valverde.
Ranier Bragon e Victoria Azevedo / Folha de São Paulo