Quando criou o PSD, em 2011, Gilberto Kassab dizia que o partido não seria nem de esquerda nem de direita e que teria um programa “a favor do Brasil”. A identidade fluida permitiu que a legenda estabelecesse pontes e assumisse cargos em governos de diferentes ideologias, expandindo a capilaridade em todo o país.
Mais de dez anos depois, a sigla segue aplicando a mesma fórmula, identifica levantamento da Folha com base em dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e de votações na Câmara dos Deputados.
Os números mostram que o PSD se alinha de forma geral a partidos do chamado centrão, bloco de identificação ideológica difusa, que pode formar alianças com governos da esquerda à direita, a depender dos interesses atendidos.
Foi com essas legendas, especialmente MDB, PP, União Brasil e Republicanos, que o PSD firmou a maior parte das coligações nas eleições municipais deste ano, quando conquistou 887 prefeituras, no topo do ranking.
Kassab diz que não houve nenhuma diretriz para isso. “Vejo com naturalidade que o maior número de alianças tenha sido com partidos de centro. Mas nosso objetivo é, sempre que possível, ter candidatura própria.”
Ele afirma que o PSD também formou coligações com legendas à direita e à esquerda. “Somos um partido de diálogo.”
A reportagem também analisou a migração entre siglas, considerando os candidatos que concorreram nas eleições de 2020 e de 2024. O maior fluxo de políticos que chegaram ao PSD ou deixaram o partido nesse período foi com União, PP e MDB. Em seguida, aparecem PL, PSDB e Podemos.
Calculando o saldo de quem saiu e quem chegou, foi o PSDB, com sua derrocada, que mais perdeu filiados para o PSD nos últimos quatro anos. Na outra ponta, o PSD perdeu mais quadros do que ganhou para o Republicanos e para o PT.
Com o PL, o fluxo foi equilibrado —798 deixaram o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro para se filiar ao PSD, enquanto 807 fizeram o caminho contrário.
Em Brasília, o PSD tem a maior porcentagem de concordância em votações na Câmara dos Deputados com siglas do centrão, observada a legislatura atual.
O partido vota mais alinhado com MDB, Avante, PP, Solidariedade, União Brasil e Republicanos. A maior discordância é com o Novo e com o PL. Deputados do PSD votaram junto a parlamentares do partido de Bolsonaro em 57% das ocasiões.
Com o PT, à frente da gestão federal na qual a sigla de Kassab comanda três ministérios, a taxa de concordância é de 84%.
A reportagem analisou ainda as frentes parlamentares com maior proporção de políticos do PSD. Em geral, são frentes menos polarizantes, com maior equilíbrio entre congressistas de esquerda e de direita.
O partido tem uma representação média de 7% nos grupos, número que cai para 4% quando o tema é “defesa da vida” (contra o aborto) ou de direitos LGBTQIA+.
Os dados vão ao encontro da postura que Kassab assumiu desde a criação da legenda, quando anunciou o PSD como “oposição responsável”.
“O partido surgiu para acomodar gente que estava na oposição de Dilma [Rousseff] e que queria se aproximar do governo, muito popular”, diz Bruno Schaefer, professor de ciência política da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). “Surgiu como um partido de acomodação.”
Sergio Simoni Junior, professor de ciência política na USP, afirma que a criação do PSD tem a ver com o funcionamento do sistema partidário brasileiro.
“[Funcionamento este] que permite uma divisão de tarefas entre partidos que competem pela Presidência e outros que são fortes em alguns estados e conseguem se manter relevantes nacionalmente porque as forças nos estados garantem boas bancadas, e as bancadas negociam com o presidente”, diz.
Simoni afirma que esse, tradicionalmente, era o caráter do MDB e que o PSD surgiu como uma alternativa à sigla.
Kassab já disse anteriormente que não considera seu partido um integrante do centrão e que o programa da legenda é de centro. Cientistas políticos têm dificuldades para definir as diretrizes programáticas do PSD, mas identificam algumas pistas.
“Tem algo de amorfo, não tem clareza ideológica total. O PT ou o Novo são partidos com muito mais clareza”, diz Jorge Chaloub, professor de ciência política na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“Por outro lado, me parece que boa parte do PSD defende redução de alguns investimentos estatais. E uma maioria é refratária à ampliação de direitos de minorias. Não é um partido que segue uma cartilha ideológica, vai acomodar figuras com um grau de diversidade.”
Com essa fluidez, Kassab coloca um pé em cada canoa, compondo o governo Lula (PT) e atuando como homem forte em São Paulo como secretário de Governo da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), pupilo de Bolsonaro. Já na Bahia, o PSD do senador Otto Alencar é aliado próximo da gestão petista.
Schaefer afirma que, por não buscar protagonismo na eleição presidencial, a legenda consegue cargos no governo federal, enquanto expande a capilaridade nos estados e se elege para o Parlamento e para o Executivo estadual ou municipal.
Hoje o PSD é um dos partidos que mais cresce, liderando em número de prefeituras. A legenda se beneficiou da capacidade de trânsito entre diferentes espectros políticos; da Operação Lava Jato, que atingiu quadros importantes do centrão; e do esvaziamento do PSDB, espaço ocupado pela sigla de Kassab, especialmente em São Paulo.
Lula costura para garantir que o PSD esteja na aliança de esquerda para a eleição presidencial de 2026, mas o presidente do partido não se compromete com nenhuma posição. Do outro lado, o PL de Valdemar Costa Neto acumula insatisfações com a legenda, e Bolsonaro tem Kassab como um grande desafeto.
“Se olhar a maior parte das alianças do PSD nas eleições municipais, está mais próximo do discurso da ultradireita do que do da esquerda”, diz Chaloub. “Mas não acho que Kassab vá estar na frente do palanque do Lula nem do Bolsonaro. Ele precisa do distanciamento para depois compor.”
Ana Luiza Albuquerque, Daniel Mariani e Nicholas Pretto/Folhapress