As definições de ressaca moral foram atualizadas no Reino Unido depois de uma noitada de um deputado inexpressivo politicamente se tornar o empurrão final para a renúncia do premiê Boris Johnson.
Não faltaram escândalos nos ombros do primeiro-ministro nos quase três anos em que ocupou o cargo, da reforma em seu apartamento oficial com doação privada não declarada até as festas na sede do governo durante os períodos mais severos de lockdown no país. Boris conseguiu sobreviver a todos de uma maneira ou de outra, inclusive a um voto de desconfiança convocado por seus correligionários.
Mas foi a festa de aniversário de 30 anos dos Amigos Conservadores do Chipre, entidade ligada à ex-colônia britânica, o golpe final. O evento aconteceu no último dia 29 no Carlton Club, clube privado e primeira sede do próprio Partido Conservador, com a presença de uma série de parlamentares, entre os quais Chris Pincher, 52, até então um dos articuladores políticos do governo no Parlamento.
Pincher bebeu tanto que, sem condições de ir embora, precisou ser colocado em um táxi e levado para casa antes que a festa acabasse. Entre uma coisa e outra, dois homens procuraram outra articuladora política do partido, Sarah Dines, e afirmaram terem sido apalpados pelo parlamentar durante a festa.
A colega avisou o chefe, Chris Heaton-Harris, e quando Pincher acordou no dia seguinte já havia uma investigação contra ele. No final daquele dia, ele renunciou ao cargo no governo com uma carta em que assumia a bebedeira além da conta e se dizia envergonhado. Boris, por sua vez, considerava o assunto encerrado com a renúncia, o que não foi suficiente para segurar nos cargos os secretários das Finanças, Rishi Sunak, e da Saúde, Sajid Javid, além de dezenas de outros membros do governo.
Mas a reação chamou a atenção porque aquela não era a primeira vez em que Pincher havia sido acusado de assédio enquanto membro do governo. Em 2017, renunciou após um ativista conservador dizer que ele tinha cometido um ato do tipo em 2001. Na ocasião, Alex Story, o denunciante, chegou a compará-lo ao ex-produtor Harvey Weinstein, hoje símbolo de predador sexual após escândalos do #MeToo em Hollywood.
A reincidência de Pincher foi o que apertou o calo do premiê, porque Boris foi acusado de mentir ao dizer que não sabia do comportamento do aliado, a quem trouxe de volta ao governo em 2019, primeiro em cargos na Secretaria de Relações Exteriores (quando também foi alvo de denúncia de assédio) e no departamento de habitação, antes de ser nomeado vice-chefe dos articuladores, em fevereiro deste ano.
Ao New York Times parlamentares conservadores afirmaram que Pincher era “inusitadamente eficiente”, sufocando dissidências para garantir apoio aos projetos do premiê. Ele foi um dos responsáveis por angariar os votos necessários para que Boris sobrevivesse ao voto de desconfiança no mês passado, num esforço batizado pelo próprio governo de “Operação para Salvar o Cachorrão” (Operation Save Big Dog).
Apesar do sucesso no voto de desconfiança, a fritura já era irreversível. Ele até teve um soluço de popularidade no começo da Guerra da Ucrânia, quando seus índices de aprovação subiram entre março e abril, mas não foi suficiente para salvá-lo, sobretudo após resultados ruins para o Partido Conservador nas urnas em eleições locais. E foi na festa de aniversário de 30 anos dos Amigos Conservadores do Chipre que seus correligionários foram buscar um motivo para finalmente tirar Boris do poder.
Thiago Amâncio/Folhapress