Quatro anos depois de ter sido anunciado vencedor, Chico Buarque recebeu o prêmio Camões, maior láurea da literatura em língua portuguesa, das mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A cerimônia aconteceu na tarde desta segunda-feira no Palácio de Queluz, em Sintra, em Portugal, e contou ainda com a presença do presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro luso, António Costa, e de personalidades da cultura e da política lusófonas.
Escolhido por unanimidade pelo júri em outubro de 2019, o cantor e compositor ainda não havia recebido o prêmio devido à oposição do então presidente Jair Bolsonaro em assinar o diploma oficial da láurea, oferecida em conjunto pelos governos de Portugal e do Brasil. Após a vitória do cantor, Bolsonaro disse que assinaria o diploma até 31 de dezembro de 2026.
Em seu discurso de agradecimento ao prêmio, Chico comemorou a ausência da assinatura de Bolsonaro. “Reconforta-me que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o meu prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para o nosso presidente Lula”.
Ao falar sobre o período de espera até o recebimento da láurea, o escritor afirmou que os “quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade”.
Depois de defender a democracia e de relembrar o legado do pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, Chico finalizou sua fala se solidarizando com os ataques à classe artística. “Recebo esse prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”.
Em sua fala na entrega do prêmio, o presidente Lula exaltou a figura do cantor e compositor. “É uma satisfação corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos tempos”, afirmou.
“Não podemos esquecer que o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico no Brasil e em Portugal”, acrescentou o petista.
“Esse prêmio é uma resposta do talento contra a censura, do engenho contra a força bruta. Um prêmio escolhido por unanimidade por jurados de Portugal, do Brasil, de Angola e de Moçambique. Um prêmio da língua portuguesa, que nos une mesmo quando barreiras geográficas ou fronteiras nos separam.”
O presidente luso, Marcelo Rebelo de Sousa, também falou sobre a importância da obra de Chico Buarque para a língua portuguesa, arriscando-se a entoar alguns versos da canção “Meu Caro Amigo” com sotaque brasileiro.
A ausência de cerimônia de premiação, no entanto, não impediu o pagamento dos € 100 mil, cerca de R$ 540 mil, concedidos ao vencedor, que Chico já recebeu.
O imbróglio com o diploma do compositor, no entanto, provocou uma espécie de fila de espera entre os laureados dos anos subsequentes, que também ainda não tiveram direito às solenidades para receber o prêmio.
Oficializado em 1988, o prêmio Camões foi idealizado para destacar autores em língua portuguesa. Tradicionalmente, há uma alternância entre a origem dos vencedores a cada ano, contemplando brasileiros, portugueses e cidadãos da África lusófona.
Vencedor da láurea há dez anos, o escritor moçambicano Mia Couto acompanhou a entrega do prêmio na segunda fila da plateia e comemorou a ausência de Jair Bolsonaro no encontro.
“Felizmente que ele [Bolsonaro] se recusou a assinar, porque agora temos uma festa em dobro. E esse é um prêmio que é para todos nós. É um prêmio da língua portuguesa”, afirmou.
Couto fez questão de exaltar a obra do brasileiro. “Quando eu comecei a ouvir as canções do Chico, eu percebi que havia uma dimensão da nossa língua, que ela cantava e que guardava a poesia. Como a poesia, que é profundamente lírica, profundamente íntima, podia se manifestar e se podia revelar na canção”, afirmou.
A cantora Fafá de Belém também esteve no evento. “É um ato simbólico, finalmente o resgate de democracia e do respeito às artes como fundamentais para o desenvolvimento de um país”, afirmou.
Giuliana Miranda/Folhapress