A Polícia Federal realizou nesta terça-feira (19) uma operação que prendeu cinco suspeitos de atuar em um plano de golpe de Estado no Brasil, no fim de 2022, que envolveria matar o então presidente eleito, Lula (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A trama, na avaliação dos investigadores, reforça as provas e os relatos obtidos pela PF sobre a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de aliados e de militares nas discussões por um golpe que evitasse a posse de Lula.
As informações divulgadas pela PF nesta terça apontam pela primeira vez para um plano operacional de golpe de Estado articulado por integrantes do governo Bolsonaro. Fases anteriores da investigação já haviam indicado discussões sobre minutas golpistas e pressões para os chefes das Forças Armadas apoiarem uma ruptura institucional.
A operação mirou agora um general da reserva, um policial federal e militares com formação nas forças especiais, os chamados “kids pretos”.
As prisões ocorreram menos de uma semana após o atentado com explosões na praça dos Três Poderes sobre o qual Moraes e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, anteciparam conclusões que atrelam o episódio aos inquéritos que envolvem Bolsonaro e seus aliados.
Ambos disseram que o atentado não fora um fato isolado e indicaram relações com os outros casos relatados por Moraes sobre ataques às instituições. O pedido de prisão dos cinco suspeitos foi feito pela PF na quinta (14), um dia após o ataque em que um homem se explodiu na frente do STF.
Foram presos o general da reserva Mario Fernandes, os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares.
A operação foi autorizada no domingo (17) pelo próprio Moraes, que acumula papel de vítima e juiz do caso e cita ele mesmo ao longo da decisão em terceira pessoa.
Especialistas têm criticado a condução de Moraes de casos que o atingem diretamente sob o argumento principal de que isso afeta a imparcialidade de um juiz.
O desdobramento das investigações, revelado nesta terça, indica que o general da reserva Mario Fernandes elaborou um plano operacional para impedir a ascensão do novo governo. Ele foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência durante o governo Bolsonaro.
Os detalhes do plano golpista estavam redigidos em um documento de três páginas, impresso no Palácio do Planalto na gestão do ex-presidente e cuja execução foi articulada com militares do Exército, segundo a PF.
A investigação cita ainda uma reunião na residência do ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro, general Braga Netto, onde a ideia teria sido discutida.
A missão chegou a ser colocada em prática contra Moraes no dia 15 de dezembro de 2022, mas acabou abortada naquela noite com os oficiais já posicionados, de acordo com a PF.
O planejamento foi chamado de “Punhal Verde Amarelo”. Ele definia uma série de procedimentos a serem adotados para viabilizar a prisão ou a morte das autoridades. O documento previa a participação de seis pessoas, uso de armas e granadas e um prazo de duas semanas para a preparação dos ataques.
“Outra possibilidade foi levantada para o cumprimento da Missão, buscando com elemento químico e/ou biológico, o envenenamento do Alvo, preferencialmente, durante um Evento Oficial Público. O nosso Rec (reconhecimento) também está levantando as condições para tal L Aç (linha de ação)”, diz trecho do documento obtido pelos investigadores.
O plano do golpe dizia ser necessário ainda avaliar outros cenários para o assassinato das autoridades, como “tiro à curta, média ou longa distância, emprego de munição e/ou artefato explosivo”.
O general Mario Fernandes destacava que a possibilidade de êxito da operação golpista era “médio, tendendo a alto”. Os riscos colaterais seriam muito altos, segundo o documento, assim como os impactos políticos e sociais.
“O documento evidencia que as ações de reconhecimento já estavam em curso, apresentando algumas dificuldades em relação ao comboio e aos protocolos de segurança do alvo, no caso o ministro Alexandre de Moraes”, diz a PF em relatório.
A investigação aponta que os planos golpistas dos militares aliados de Bolsonaro começaram logo após a derrota para Lula no segundo turno das eleições.
Mario Fernandes esteve Bolsonaro no Palácio da Alvorada no dia 8 de novembro, segundo dados obtidos pela PF. Na dia seguinte, ele envia um áudio ao tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, comemorando que o então presidente aceitou o “nosso assessoramento”.
Também no dia 9 de novembro, Mario Fernandes imprime pela primeira vez o plano golpista no Palácio do Planalto.
Três dias depois, Mauro Cid se reuniu com os militares Rafael de Oliveira e Hélio Ferreira Lima na casa de Braga Netto. Foi nesse encontro, segundo a PF, que o plano do golpe teria sido apresentado e aprovado. E partir daí é que ações, como o monitoramento de Moraes, foram iniciados.
A reunião no apartamento de Braga Netto já era conhecida desde fevereiro, quando o general foi alvo de buscas da PF. Ele não foi alvo de pedido de prisão ou de busca novamente pelo fato de a reunião já ter sido investigada no início do ano —a operação desta terça teve como foco os envolvidos na operacionalização da operação, de acordo com os documentos da decisão.
O general nega a pessoas próximas que tenha discutido temas golpistas. Procurada pela Folha, a defesa de Braga Netto afirmou que ainda não teve “pleno acesso as investigações”, o que impossibilitaria qualquer manifestação a respeito do caso.
A reportagem não localizou as defesas dos presos na operação da PF.
Moraes cita, na decisão, indícios de autoria dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e de associação criminosa —que podem resultar em até 23 anos de penas.
O avanço das investigações só foi possível, em partes, após a PF ter recuperado arquivos deletados do celular de Mauro Cid. O tenente-coronel prestou novo depoimento nesta terça aos investigadores sobre os conteúdos apagados.
Ele negou aos investigadores que saberia desses planos para matar Lula, Alckmin e Moraes.
O militar fechou um acordo de delação premiada no último ano, mas, nesta terça, a PF enviou um relatório a Moraes em que diz que Cid tem descumprido cláusulas do acordo de delação premiada.
A expectativa é que o ministro do Supremo decida nos próximos dias se o acordo será mantido. A eventual anulação da delação deve manter válidas as provas e os depoimentos do militar, mas Cid pode perder os benefícios obtidos pelo acordo.
Cézar Feitoza, Fabio Serapião e Caio Crisóstomo/Folhapress