A Polícia Federal detalhou cinco ocasiões em que houve desvio ou tentativa de desvio de presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) do acervo público brasileiro
Os itens teriam sido entregues por autoridades estrangeiras em viagens internacionais. Posteriormente, eles teriam sido vendidos ou colocados à venda pela organização criminosa, segundo apontou a PF. Em conjunto, os objetos são avaliados em R$ 6,8 milhões.
Bolsonaro foi indiciado sob suspeita dos crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos). Outras 11 pessoas também foram indiciadas pela PF sob suspeita de associação criminosa.
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, foi apontado como suspeito dos três crimes. Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, advogados de Bolsonaro, foram citados por lavagem e associação criminosa, assim como o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid, que teria ajudado na venda das joias, e o ex-assessor de Bolsonaro Osmar Crivelatti.
Os demais indiciados pela PF foram Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, Marcelo da Silva Silveira e Marcos André dos Santos Soeira (apropriação e associação criminosa), Julio Cesar Vieira Gomes (pelos três crimes e por advocacia administrativa perante a administração fazendária) e o militar José Roberto Bueno Junior (pelos três crimes). Somente Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, foi indiciado por um único crime (lavagem).
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), aguardará manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República), a quem caberá decidir se denuncia o ex-presidente. Se isso ocorrer, caberá depois à Justiça decidir se ele vira réu e se responde ao processo.
KIT OURO ROSÉ
Conjunto de itens masculinos da marca Chopard contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe e um relógio recebidos pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2021.
A análise dos dados coletados pela PF no telefone celular de Mauro Cid revelou que o kit foi levado do país, em dezembro de 2022, por meio do avião da Presidência da República, e submetido a venda, em leilão nos Estados Unidos da América.
As joias, porém, não foram arrematadas, fato que permitiu que o grupo recuperasse os bens e devolvesse ao Estado brasileiro, após decisão do TCU (Tribunal de Contas da União).
ÁRVORE E BARCO
Esculturas douradas que teriam sido recebidas como presente por Bolsonaro em viagens oficiais, realizadas em novembro de 2021, aos Emirados Árabes Unidos e ao Bahrein.
Segundo a PF, os bens foram desviados do acervo público, sem registro oficial, e posteriormente foram levados, de forma escamoteada, aos Estados Unidos, por meio do avião presidencial.
O general Mauro Cesar Lourena Cid teria guardado os objetos em sua residência, na cidade de Miami, nos Estados Unidos. Ele e o filho, segundo a polícia, encaminharam os objetos para estabelecimentos comerciais especializados para serem avaliados e alienados.
Como os objetos não eram feitos em ouro, houve dificuldade para vendê-los e eles teriam voltado ao Brasil. A polícia também afirma que, até o presente momento, eles não foram identificados no inventário de encerramento do acervo privado presidencial do ex-presidente.
RELÓGIO DA MARCA PATEK PHILIPPE GENEVE
Segundo a PF, o objeto foi possivelmente recebido pelo ex-presidente em visita oficial ao Reino do Bahrein em 16 de novembro de 2021. O objeto teria sido levado para os Estados Unidos e vendido para o estabelecimento comercial Precison Watches em 13 de junho de 2022, juntamente com o relógio Rolex do segundo Kit, pelo montante de US$ 68 mil.
Até o presente momento, não há indícios de que tenha sido recuperado pelos investigados. O valor teria sido transferido para uma conta bancária de Mauro Cesar Lourena Cid nos Estados Unidos.
Para a polícia, há possibilidade de o referido bem sequer ter passado pelo então gabinete adjunto de documentação histórica para o tratamento e classificação do bem para definição quando a destinação ao acervo público ou o acervo privado do então presidente,
De acordo com a PF, ele teria sido desviado diretamente para a posse do ex-presidente. Tal fato, segundo o órgão, explicaria não ter existido, ao contrário dos demais itens desviados, uma “operação” para recuperar o referido bem, pois, até o presente momento, o Estado brasileiro não tinha ciência de sua existência.
KIT OURO BRANCO
Conjunto composto por um relógio Rolex, caneta da marca Chopard, par de abotoaduras, anel e rosário árabe.
O pacote teria sido recebido, segundo a PF, em uma viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, em outubro de 2019.
Segundo a polícia, os bens foram desviados do acervo público brasileiro e posteriormente foram vendidos em lojas especializadas nos Estados Unidos em junho de 2022.
Após a divulgação, em março de 2023, de matérias jornalísticas relatando o recebimento de kits de joias e de uma determinação do TCU, a investigação identificou que os envolvidos estruturaram uma operação clandestina para recuperar os bens. Em de abril de 2023, o kit completo foi devolvido na agência da Caixa Econômica Federal em Brasília.
JOIAS FEMININAS E CAVALO DOURADO
Conjunto de joias femininas confeccionadas em ouro branco, composto por um colar, um par de brinco, um anel e um relógio de pulso, com certificado de autenticidade da marca Chopard e uma escultura de um cavalo dourado.
Os objetos teriam sido presenteados ao então ministro de Estado de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em visita oficial ao Reino da Arábia Saudita, em outubro de 2021, representando o então presidente. Os objetos foram retidos pela Receita Federal.
Cerca de um ano depois, a partir do mês de dezembro de 2022, segundo a PF, os investigados começaram a praticar uma série de atos visando a liberação dos bens retidos para que fossem, de forma ilícita, desviados ao acervo privado de Bolsonaro.
Para isso criaram uma falsa urgência, sob o pretexto de que precisariam finalizar o processo de incorporação dos bens antes da mudança de governo. Ao final, a atuação dos servidores da Receita Federal impediu a consumação da empreitada.
Constança Rezende/Folhapress