PEC permite turbinar crédito para agenda verde com até R$ 20 bi de fundos públicos por ano

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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incluiu numa PEC (Proposta de Emenda Constitucional) um dispositivo que permite destinar até 25% do superávit financeiro de fundos públicos do Executivo ao financiamento de projetos ligados a ações de enfrentamento, mitigação e adaptação a mudanças climáticas e de transformação ecológica.

Um dos focos da medida é garantir maior volume de recursos ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), segundo informaram à Folha pessoas do governo a par do tema. Se aprovada, a mudança valerá entre 2025 e 2030, mediante devolução gradual dos recursos a partir de 2031.

Procurado, o Tesouro informou que fará uso da desvinculação “caso necessário e na medida do necessário”. Segundo o órgão, a expectativa é recorrer a “no máximo” R$ 20 bilhões ao ano. Em 2024, o governo já desvinculou R$ 20 bilhões do Fundo Social para destinar ao BNDES.

“Ao todo, a expectativa é que a medida possibilite manter à disposição entre R$ 10 [bilhões] e R$ 20 bilhões para dar suporte financeiro reembolsável em caso de necessidade”, diz, em nota.

O Tesouro não divulga o valor agregado nestes fundos, mas enviou à reportagem uma portaria a partir da qual foi possível calcular um saldo de R$ 228 bilhões em 31 de dezembro de 2023.

Nem todos podem ser desvinculados. O FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o FGE (Fundo Garantidor de Exportações), por exemplo, reuniam juntos R$ 103 bilhões no fim do ano passado, mas têm obrigações a honrar. Ainda assim, o saldo de R$ 125 bilhões dá uma dimensão do potencial da medida.

Ainda de acordo com a nota, “o mecanismo é relevante para dotar o governo federal de capacidade de responder a eventos decorrentes das mudanças climáticas ou de insuficiência financeira no Fundo Clima, e sua efetiva utilização a partir de 2026, em caso de aprovação pelo Congresso Nacional, dependerá da ocorrência, necessidade e intensidade de eventos climáticos”.

O órgão afirma ainda que não há definição dos bancos que poderão usar os recursos, mas o BNDES já opera o Fundo Clima.

Por isso, a medida tem potencial para ampliar o poder de fogo da instituição, que já teve papel de protagonismo em gestões anteriores do PT. O BNDES já tem recebido aportes bilionários e ganhou um novo instrumento com incentivo fiscal para captar recursos no mercado.

A eventual aprovação da PEC é vista com preocupação por uma ala de técnicos do Tesouro, pois os financiamentos do BNDES para ações ligadas ao clima têm juros ao redor de 6% ao ano ou até menos, a depender do tipo de projeto. As taxas ficam abaixo do que a União paga para se financiar no mercado.

Elas também são inferiores aos ganhos com a conta única do Tesouro Nacional, onde está depositado o dinheiro do governo e que tem uma remuneração próxima à Selic (hoje em 10,75% ao ano).

Ou seja, embora o repasse de recursos desvinculados não interfira na meta fiscal ou nas regras do arcabouço, ele vai contribuir para impulsionar a dívida bruta, pois a União assumirá uma fatura de subsídios implícitos nessas operações.

Por outro lado, a dívida líquida do setor público (que desconta da dívida ativos e reservas internacionais) não muda significativamente, pois o dinheiro representa um ativo da União junto ao BNDES.

No banco, a avaliação de técnicos é que a medida não eleva os recursos que já estavam programados para os próximos anos, mas diversifica a fonte do dinheiro, que poderia vir de novas emissões da dívida pública.

A autorização foi incluída na PEC 66, aprovada pelo Senado em 14 de agosto e que tem apoio dos parlamentares tanto da base aliada quanto da oposição, pois trata de ações de alívio financeiro para os municípios.

Procurado, o BNDES informa que não participou da construção da PEC 66. O banco diz que as aplicações do Fundo Clima seguem as definições estipuladas pelo Comitê Gestor do fundo e o CMN (Conselho Monetário Nacional”.

“O presente orçamento do Fundo Clima foi aprovado pelo Congresso Nacional e consta na Lei Orçamentária de 2024”, diz o BNDES em nota. O banco não respondeu ao questionamento da reportagem se vê risco dessas operações repetirem o que aconteceu, no passado, com os empréstimos do Tesouro.

A PEC não cita nominalmente o BNDES, por isso o dispositivo não chamou a atenção na tramitação. O relator, senador Carlos Portinho (PL-RJ), que é da oposição, disse à Folha que o trecho foi um pedido do governo.

“Dentro da negociação para poder ter os votos, entre outras questões que o governo inseriu, esse [ponto] foi exclusivamente inserido pelo governo”, afirmou Portinho. O texto foi aprovado sem votos contrários e aguarda votação na Câmara dos Deputados.

A desvinculação é uma fórmula similar ao receituário adotado em governos anteriores do PT, quando o Tesouro Nacional fez empréstimos diretos vultosos ao BNDES para impulsionar financiamentos subsidiados e acelerar o crescimento da economia.

Os aportes, muitos deles autorizados por MPs (medidas provisórias), superaram os R$ 500 bilhões entre 2008 e 2014, com alto custo para o Tesouro. Anos depois, o TCU (Tribunal de Contas da União) considerou os repasses irregulares e antecipou a devolução de parte do dinheiro. Agora, a desvinculação é prevista em uma PEC.

O Tesouro diz que “não há menção na norma quanto a taxas e eventuais subsídios, explícitos ou implícitos”, mas acrescenta que, se houver custos, eles serão devidamente informados.

“Mesmo no caso de necessidade de suprir insuficiência financeira do Fundo Clima, as taxas usuais do fundo são de 6,15% ao ano, a mesma taxa nominal das captações feitas pelo Tesouro Nacional no exterior”, afirma o órgão. No mercado doméstico, porém, o custo médio das emissões ficou em 10,9% em julho.

O órgão também minimizou eventual risco de o maior volume de crédito direcionado no sistema financeiro reduzir a potência da política monetária do Banco Central. “[O impacto é] Tendente a zero”, diz. “No caso de utilização dos recursos, os volumes são irrisórios em relação à liquidez do sistema financeiro ou no volume de crédito anualmente contratado.”

Em viagem aos Estados Unidos, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) começou a preparar o terreno para medidas legais que serão necessárias para financiar a transição ecológica. Ele chamou essas iniciativas de “arcabouço ecológico”.

Durante conferência do banco Safra, Haddad disse que vai chegar o momento de o país ter um arcabouço ecológico na área financeira e que o ideal é que as medidas estejam aprovadas antes da COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas). A reunião acontece em Belém do Pará em 2025.

Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli/Folhapress

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