Pagamento de precatórios deve injetar cerca de R$ 46 bi no consumo e deixar PIB mais perto de 2%

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Os bilhões que o governo liberou para pagamento de precatórios no fim de 2023, para encerrar o calote dado pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, devem representar um fôlego adicional à atividade econômica neste ano, fazendo com que o Brasil cresça mais do que o esperado neste ano eleitoral.

O estímulo via pagamento de dívidas judiciais da União tem capacidade de turbinar o consumo das famílias em mais de R$ 40 bilhões e ampliar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 0,2 e 0,3 ponto porcentual, de acordo com economistas ouvidos pelo Estadão.

Esse impulso ainda não provocou uma revisão das projeções por parte de bancos e consultorias; mas, se confirmado, ajuda a sinalizar um crescimento mais próximo de 2%. Trata-se de um cenário de desaceleração ante 2023, quando o PIB deve crescer 3%, mas um número melhor do que as estimativas atuais, de alta de 1,6%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central.

Os precatórios são dívidas do governo com pessoas e empresas cujo pagamento já está determinado pela Justiça em última instância. Esses valores estavam represados devido à “PEC do Calote”, que “pedalou” o pagamento dessas dívidas da União durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro até 2026.

A PEC foi proposta em 2021 para enfrentar o que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou de “meteoro”, que ia colidir contra as contas públicas. Uma fatura de R$ 89 bilhões que teria de ser honrada em 2022, durante o período eleitoral, com Bolsonaro buscando a reeleição. Na ocasião, o governo também queria o Auxílio Brasil (atual Bolsa Família) de R$ 400 para os beneficiários do programa, só que o custo não cabia no Orçamento. Por fim, o valor acabou subindo para R$ 600, ampliando ainda mais a fatura de despesas, que foi viabilizada pela “PEC do Calote”.

Em dezembro do ano passado, porém, o governo Lula editou uma Medida Provisória que abriu um crédito extraordinário – fora do limite de despesas – de R$ 93,1 bilhões para quitar esse estoque. Desse montante, R$ 27,7 bilhões foram depositados a aposentados e pensionistas do INSS.

Na leitura dos analistas consultados pelo Estadão, esses montantes bilionários, ainda que pontuais, tendem a beneficiar o consumo das famílias nos primeiros meses do ano.

O economista Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), destaca que cerca de R$ 46 bilhões devem ser destinados a pessoas físicas – ou seja, ações relacionadas, por exemplo, a salários e benefícios sociais.

“Prevemos um impacto de 0,24 (ponto porcentual) no PIB considerando esses R$ 46 bilhões”, afirma Barros. “O que vai para as empresas é mais difícil de saber o que vai ser feito. Pode ficar no caixa, abater dívida e, eventualmente, até recompor liquidez.”

Se esse impacto se confirmar e não houver nenhuma mudança de cenário, a Ryo Asset pode elevar a sua previsão de crescimento para o PIB de 2024 dos atuais 1,5% para 1,8%.

A previsão do banco Itaú é bastante parecida. Os bilhões dos precatórios podem melhorar o resultado do PIB de 2024 em 0,2 ponto porcentual. Se todo o montante que foi pago em precatório virasse consumo, o impacto seria ainda maior, de até 0,5 ponto. “Mas dizer que tudo vai virar consumo pode ser um certo exagero”, afirma Julia Gottlieb, economista do banco.

Ela cita alguns atenuantes: primeiro, a incidência de Imposto de Renda sobre o valor pago a pessoas físicas. Segundo, o fato de parte dos precatórios já ter sido negociada no mercado secundário – e, portanto, esse dinheiro já pode ter chegado ao bolso consumidor.

“Não é um super estímulo para a economia, mas pode dar uma ajudinha”, diz Julia. Neste ano, o Itaú projeta um crescimento de 1,8%.

Preocupação do governo com ano eleitoral

Embora o estímulo via precatórios não seja capaz de mudar o quadro de desaceleração da economia esperado para este ano, toda ajuda é bem-vinda para o governo, que monitora de perto os números do crescimento.

O ritmo da atividade brasileira é uma das grandes preocupações do governo em 2024, ano de disputa eleitoral municipal, considerada fundamental pelo PT para fortalecer a legenda para o pleito presidencial de 2026.

No ano passado, o desempenho da economia brasileira surpreendeu os analistas, mas os últimos números confirmam que o País terminou 2023 em desaceleração. A questão é que o resultado foi impulsionado pelo bom desempenho do primeiro semestre, diante de dados excepcionais do agronegócio – que não devem se repetir em 2024, quando o setor enfrenta quebra de safra, preço mais baixo das commodities e custo elevado de produção.

Melhora pontual e problema fiscal

De fato, o estímulo via precatórios, segundo os economistas, não deve representar uma guinada nesse cenário de desaceleração. “É um impacto de crescimento com bases muito frágeis”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Nas contas da MB, o PIB deve crescer 1,7% neste ano, e o estímulo via precatórios pode significar um estímulo entre 0,2 e 0,3 ponto porcentual – o que levaria a alta para 2%.

“Tem um movimento de queda de juros, do Desenrola (programa de renegociação de dívidas) e dos precatórios. Tudo isso pode formar um combo de ajuda em termos de inadimplência para a população que pode ser interessante”, diz Vale.

Mas, segundo ele, trata-se de “uma vitória de pirro”. “Tem toda a discussão de piora fiscal que a gente viu no último ano, com aumento do déficit. Quando a gente coloca o custo final disso lá na frente, é mais juros por causa desse déficit elevado”, diz Vale.

Futuro dos precatórios

A sistemática de pagamento dos precatórios autorizada pelo STF — de abertura de crédito extraordinário sem infringir regras fiscais — também valerá para 2025 e 2026. Ou seja, os valores que excederem o “subteto” das dívidas nesses dois anos também poderão ser pagos sem serem computados no limite de gastos e na meta de resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida).

À época do julgamento, em novembro de 2023, o ministro relator do caso, Luiz Fux, não aceitou o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para que parte dos precatórios fosse classificada como despesa financeira (sem impactar o resultado primário das contas públicas).

Mas, na prática, a decisão — de permitir o uso de crédito extraordinário até 2026 — dá tempo para governo e Congresso discutirem esse ponto, que foi motivo de grande controvérsia desde que o Ministério da Fazenda apresentou uma proposta para alterar definitivamente a forma como esses pagamentos são computados.

Pela proposta da equipe do ministro Fernando Haddad, o valor principal da dívida seria tratado como uma despesa primária e entraria na lista de gastos submetidos ao teto de gastos. Já o que fosse referente ao pagamento de juros seria segregado e tratado como despesa financeira.

Luiz Guilherme Gerbelli e Bianca Lima/Folhapress

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