A oposição domina a agenda da segurança pública no Congresso Nacional enquanto o governo, sem controle sobre a pauta, oscila entre frear excessos repressivos e chancelar projetos considerados problemáticos por especialistas.
Apesar de não ser visto como prioridade do governo Lula (PT), a segurança pública é o segundo maior motivo de preocupação entre os brasileiros, de acordo com uma pesquisa do Datafolha realizada em dezembro.
Parlamentares alinhados ao bolsonarismo são maioria na Comissão de Segurança Pública da Câmara. Com o líder da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), à frente, o colegiado é composto por 20 membros do PL e apenas 2 do PT.
O grupo protagoniza a apresentação de projetos na área: de janeiro de 2023 a abril de 2024 foram 38 propostas do PL e apenas 1 do PT.
Na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), essa disparidade se reflete em 11 projetos de membros do PL contra 2 do PT. As principais pautas estão relacionadas ao endurecimento do Código Penal e ao relaxamento da política de controle de armas.
O mesmo padrão se repete na autoria dos projetos nas Comissões de Segurança Pública e de Constituição e Justiça do Senado. A diferença entre os membros na Comissão de Segurança é menor, com 6 representantes do PL e 2 do PT.
“A frequência maior na comissão é da oposição”, disse o presidente da Comissão de Segurança Pública no Senado, Sérgio Petecão (PSD-AC).
O PT tem dificuldade em definir um plano estratégico na área da segurança pública, segundo o especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori. Além disso, a extrema-direita sabe o que quer: enrijecer a Lei de Execução Penal e facilitar o acesso a armas.
“A extrema-direita está hegemonizada na pauta da segurança pública, isso conta com uma certa leniência do PT de não querer fortalecer sua presença em comissões, de não apresentar projetos, talvez com a leitura de uma guerra perdida”, disse.
Sem pauta específica, o Executivo tenta conter excessos de propostas com medidas punitivistas, mas também chancela projetos considerados problemáticos por especialistas.
Foi o que ocorreu na tramitação Lei Orgânica da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, aprovada com sinal verde pelo Palácio do Planalto.
A nova lei enfraquece o controle das corporações, abre espaço para a politização dos agentes e pode, inclusive, permitir a exclusão das secretarias estaduais de segurança pública.
Outro exemplo foi o veto do presidente Lula (PT) a apenas um ponto da lei da saidinha —que acaba com a saída de presos em datas comemorativas, considerado inconstitucional pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Todos os outros pontos da lei foram mantidos por Lula.
O Congresso, entretanto, derrubou o veto do presidente Lula (PT). Após uma sequência de derrotas em votações, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), defendeu que a gestão do presidente Lula (PT) priorize a agenda econômica e evite que a oposição tire proveito da pauta de costumes.
Durante o trâmite da lei da saidinha, parlamentares aliados do governo divergiram sobre o veto. Alguns eram contra para não azedar o clima no Congresso. No Senado, por exemplo, a bancada governista foi liberada para votar como quisesse.
O aceno mais recente do governo à oposição no debate da segurança ocorreu durante audiência pública na comissão temática da Câmara. Lewandowski prometeu reavaliar pontos específicos do decreto de Lula que aumenta o controle de armas.
O governo também não tem avançado no Congresso com seus projetos na área. A reportagem mapeou quatro apresentados na atual gestão: priorização da investigação de crimes de natureza penal; classificação da violência contra escolas como crime hediondo; aumento de pena para crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito e autorização da apreensão de bens e bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros.
Os três últimos foram apresentados em julho do ano passado, em evento no Palácio do Planalto com a presença de Lula (PT) e o então ministro Flávio Dino (Justiça) após ataques em escolas e os atos golpistas do 8 de janeiro. Dois desses projetos aguardam despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que a segurança pública é prioridade do governo federal e cita programas, como o PAS (Plano de Ação na Segurança); o Enfoc (Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas); e o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Todos agem na prevenção de crimes.
Além disso, destaca o ministério que a pasta apresentou outras propostas, afora as listadas pela reportagem, como o PL que trata das normas de controle de origem, compra, venda e transporte de ouro, como parte de um esforço amplo de combate à lavagem de dinheiro e ao garimpo ilegal na região amazônica.
A pasta disse ainda que trabalha na articulação para aprovação de projetos, citando 13 exemplos, a maioria relacionado a violência de gênero. Entre eles, o apoio ao projeto que concede pensão para órfãos de mulheres vítimas de feminicídio e também o que confere prioridade às mulheres vítimas de violência no Sine (Sistema Nacional de Emprego).
“A agenda da segurança no Congresso está na mão da oposição, a gente não vê o governo se desgastando pela pauta”, disse Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ele acredita, no entanto, que Lewandowski, ao querer implementar o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), acena para a segurança pública. A lei, aprovada em 2018, articula todos os órgãos da Federação que atuam no setor, padronizando estruturas, tecnologias e capacitação.
O Susp agrada o governo, os parlamentares de oposição e os estudiosos da área de segurança. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, ainda em nota, o ministro tem defendido uma alteração na Constituição para fortalecê-lo.
A proposta de Lewandowski é que o modelo seja modificado para que a União tenha mais poderes de fazer um planejamento nacional de caráter compulsório para os outros órgãos de segurança.
“A segurança pública atualmente é muito compartimentalizada no que diz respeito às atribuições de cada ente. Para o ministro, apesar da lei do Susp, a União não tem competência constitucional para vincular a ação dos outros entes”, afirma a pasta.
Por isso, a pasta disse que Lewandowski defende uma PEC que mire no artigo 21 da Constituição para não só dar competência à União para elaborar o plano nacional de segurança –que há na lei do Susp–, mas também permitir que os entes federados legislem de forma complementar sobre assuntos nos quais haja peculiaridade local.
O deputado Alberto Fraga (PL), relator do tema em 2018, acredita que a proposta não terá resistência no Congresso. “O Susp é um marco na Segurança Pública e, por incrível que pareça, nenhum governo executa”, disse.