“Nada está perdido”, diz Bolsonaro

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O presidente Jair Bolsonaro (PL) quebrou um silêncio de 40 dias na tarde de sexta-feira (9) com um discurso dúbio que atiçou seus apoiadores.

Foram cerca de 15 minutos de pronunciamento a simpatizantes, na área externa do Palácio da Alvorada, na sua fala pública mais longa desde a derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições.

Bolsonaro fez nova aparição para um grupo em frente ao palácio neste domingo (11), mas ficou calado. Ele apenas acenou para o público e participou de uma oração conduzida por um pastor levado ao local por sua equipe. A cena foi transmitida em redes sociais do presidente.

O discurso na sexta foi salpicado de referências às Forças Armadas e dispensou menções explícitas a Lula, que será diplomado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta segunda-feira (12).

Ele repetiu a retórica de campanha e estimulou indiretamente manifestações antidemocráticas dos seguidores que contestam a vitória do petista.

Bolsonaro adotou ar messiânico, misturando temas como socialismo, religião, ditadura e sacrifício pelo país, e emitiu sinais ambíguos, com expressões que insuflam a militância a manter atos em frente a quartéis militares. Ao mesmo tempo, evitou termos que pudessem comprometê-lo legalmente.

“Quem decide o meu futuro e para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde vai [sic] as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também”, disse.

“Vamos vencer”, conclamou, sem explicitar a que se referia. Em outra frase lacônica, afirmou: “Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno”.

O mandatário buscou desmentir a percepção de apatia após a derrota nas urnas e insinuou estar tomando providências, sem especificá-las. Insistiu na ideia de que é o chefe máximo das Forças Armadas e recomendou que os apoiadores persistam em manifestações, desde que de acordo com as leis.

O presidente estava acompanhado do general da reserva e ex-ministro Braga Netto, seu vice nas eleições deste ano, e do ex-ministro do Turismo Gilson Machado, recém-nomeado para chefiar a Embratur.

Leia a seguir a íntegra comentada do discurso. As falas do presidente foram transcritas na íntegra, sem correção gramatical.

“Eu falei que viria aqui ouvi-los. Se estou aqui, é porque, primeiro, acredito em Deus. Segundo lugar, devo lealdade ao povo brasileiro. Ao longo de quatro anos, que vocês me conheceram, nós despertamos o patriotismo no Brasil. O povo voltou a admirar sua bandeira. O povo voltou a acreditar que o Brasil tem jeito. Não é fácil você enfrentar todo um sistema.”

Na introdução, Bolsonaro repetiu discursos que adota desde a campanha eleitoral de 2018, como a narrativa de que é antissistema e que, por isso, sofre perseguições. Temas martelados durante sua tentativa frustrada de reeleição também apareceram, com a ideia de que resgatou o patriotismo nacional, valorizado por seus seguidores mais radicais.

“A missão de cada um de nós aqui não é criticar, é unir. Muitas vezes vocês têm informações que não procedem e, pelo cansaço, pela angústia, pelo momento, passam a criticar.”

O trecho soou como um pedido de paciência a manifestantes que desde o segundo turno, em 30 de outubro, estão acampados em frente a quartéis militares. A onda de protestos antidemocráticos começou com fechamentos de rodovias pelo país, movimento que depois foi dissolvido por ações da Justiça e de estados e perdeu força.

Apegados a teorias conspiratórias e distorções sobre os pilares da Constituição, os apoiadores se frustraram com a demora para uma suposta reação de Bolsonaro e das Forças Armadas e passaram a reclamar da ausência de respostas imediatas.

“Tenho certeza, entre as minhas funções garantidas na Constituição, é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse, ao longo desses quatro anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas, tenham certeza, estão unidas. As Forças Armadas devem, assim como eu, lealdade ao nosso povo, respeito à Constituição, e são um dos grandes responsáveis pela nossa liberdade. Quantas vezes eu disse, ao longo desses quatro anos, que temos algo mais importante que a própria vida, que é a nossa liberdade?”

A ideia de que militares funcionam como anteparo contra a ideologia socialista é repetida pelo presidente com frequência. O termo passou a ser usado também para se contrapor a Lula e à esquerda.

“As decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas, mas, quando elas passam por outros setores da sociedade, elas são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo der errado é porque eu perdi a minha liderança. Eu me responsabilizo pelos meus erros, mas peço a vocês: não critiquem sem ter certeza absoluta do que está acontecendo.”

O presidente deu a entender que depende de ações de outras pessoas ou instituições, que não ele próprio ou a Presidência da República, e chamou para si a responsabilidade sobre eventuais falhas, sem explicar a que exatamente se referia. Novamente, apelou aos seguidores para que não critiquem sem saber exatamente o que se passa, sugerindo estar enfrentando algum obstáculo momentâneo.

“Obviamente, não estou aqui quebrando o silêncio. Estou falando algo que sempre disse a todos vocês. Alguns falam do meu silêncio. Há poucas semanas, se eu saísse aqui e desse bom dia, tudo seria deturpado, tudo seria distorcido. Todos nós sabemos o que aconteceu ao longo desses quatro anos, ao longo do período eleitoral e o que foi anunciado pelo TSE.”

Ao negar que estivesse rompendo o silêncio, Bolsonaro sugeriu não ter se dirigido aos apoiadores antes porque eles já ouviram o que ele tinha para dizer. Na sequência, resgatou seu embate com a imprensa, vitimizando-se com a ideia de que suas declarações na portaria do Alvorada seriam desvirtuadas. Ele também reforçou a mensagem de que foi perseguido e injustiçado pelo Tribunal Superior Eleitoral durante a campanha, com o objetivo de favorecer o rival Lula.

“Nós estamos lutando –quando eu falo nós, sou eu e vocês– pela liberdade até daqueles que nos criticam. O Brasil não precisa de mais leis, o Brasil precisa que suas leis sejam efetivamente cumpridas. Nós temos assistido, dia após dia, absurdos acontecerem aqui em nossa pátria.”

Joelmir Tavares e Matheus Tupina/Folhapress

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