Ex-juiz e ex-ministro da Justiça, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) culpa o governo do presidente Lula (PT) pela decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que cassou o mandato do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). O PT moveu a ação contra o ex-coordenador da Lava Jato.
“Eu respeito os tribunais, o TSE, os ministros, o entendimento deles e isso tem que ser discutido nos meios recursais próprios. Agora, existe um contexto que a gente não pode ignorar, que é um contexto de perseguição à oposição”, afirmou o senador em entrevista à Folha.
Para Moro, os ministros da corte fizeram uma interpretação incorreta da Lei da Ficha Limpa. Além de divergir da decisão, ele criticou a postura de aliados de Lula.
“Não tem motivo para comemorar. O governo tem insistido na polarização como estratégia política, que é a mesma estratégia que se criticava no governo anterior. Então o que mudou? Mudou apenas o chicote de mão? Ou a gente vai trabalhar realmente para construir um país que é para todo mundo e vamos respeitar as divergências políticas?”, questionou.
Apesar da decisão do TSE contra Deltan, o ex-ministro declarou estar tranquilo em relação ao próprio mandato e lembrou que, no fim do ano passado, a corte, por unanimidade, manteve a validade de sua candidatura.
Qual sua avaliação sobre a decisão do TSE? Eu lamento a decisão. Eu divirjo dela respeitosamente. É uma pena. Eu acho que perde o Brasil e perde a política, mas espero que o próprio TSE ou STF possam eventualmente rever a decisão.
No fundo, eu coloco a culpa no governo, porque o PT e o governo vêm construindo esse clima no Brasil de continuidade da polarização. Então, o tribunal aplicou a lei, acho que fez uma interpretação incorreta da lei, não a melhor. Mas, no fundo, é esse contexto de cassação, de ameaça, de censura, isso não faz bem para o país.
A ação contra Deltan foi movida pelo PT, mas a decisão foi tomada por sete juízes, sendo que três foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Eu respeito os tribunais, o TSE, os ministros, o entendimento deles e isso tem que ser discutido nos meios recursais próprios. Agora, existe um contexto que a gente não pode ignorar, que é um contexto de perseguição à oposição. Em qualquer governo, há as pessoas que apoiam o governo e tem a oposição. Temos que discutir projetos, mas o grande problema é que o governo e o Lula, em particular, têm contribuído com discurso que não pacifica o país.
O sr. acredita que o PT e aliados do governo articularam a favor dessa decisão para cassar o Deltan? Eu não posso comentar sobre fatos que eu não conheço. Eu vi a decisão. E esse clima provocado pelo governo Lula que favorece a perseguição da oposição dificulta até que uma decisão como essa, que é controvertida, seja bem acolhida.
Deltan disse que os corruptos estão em festa com a decisão do TSE, inclusive o ministro Gilmar Mendes, do STF, e o deputado Aécio Neves (PSDB). O sr. concorda com essa declaração? O que eu vi foram manifestações de agentes políticos, de pessoas comemorando a cassação do mandato. Não vi nenhum posicionamento do ministro Gilmar Mendes a esse respeito. Eu vi, sim, alguns políticos comemorando. Falta um pouco de humanidade. Podem não gostar do deputado, mas o deputado sofreu uma cassação de mandato, frustrando aí 344 mil eleitores. Não tem motivo para comemorar.
O governo tem insistido na polarização como estratégia política, que é a mesma estratégia que se criticava no governo anterior. Então o que mudou? Mudou apenas o chicote de mão? Ou a gente vai trabalhar realmente para construir um país que é para todo mundo e vamos respeitar as divergências políticas?
O sr. diz que houve uma inovação na decisão do TSE. Se essa posição for mantida, qual deve ser o efeito disso? Pode criar um precedente para os mandatos dos parlamentares diante do Conselho de Ética. Hoje, objetivamente, a gente tem que, se um parlamentar renunciar durante um processo aberto no Conselho de Ética, ele é alcançado pela Lei da Ficha Limpa. Como é que vai ficar agora? Se ele renunciar numa perspectiva de ter um processo, ele fica inelegível? Gera insegurança, porque são situações similares.
Eu respeito a decisão do TSE, mas divirjo respeitosamente, gera insegurança. Se isso for aplicado, como é que fica no Senado e na Câmara? Qualquer parlamentar que ficar sujeito amanhã a um processo no Conselho, se renuncia antes, ele está inelegível? Não me parece que é a melhor interpretação.
Acha que haverá pressão ou necessidade de mudança na Lei da Ficha Limpa? Não creio que seja o caso de rever a Lei da Ficha Limpa. O que existe foi uma interpretação num caso específico. Eu acho que é muito prematuro para se falar nisso [revisão da lei].
Thiago Resende e Matheus Teixeira, Folhapress