Os sucessivos adiamentos do pacote fiscal do governo desgastaram a imagem do ministro Fernando Haddad (Fazenda) ao evidenciarem as dificuldades políticas para estruturar o plano, de acordo com representantes de setores econômicos ouvidos pela Folha. A demora alimentou as expectativas do mercado e elevou a pressão por um pacote que seja robusto e tenha números críveis.
Há uma avaliação, principalmente entre agentes financeiros, de que o chefe da equipe econômica ficou “sangrando” entre a cobrança pelas medidas e a tentativa de convencimento dos pares. É citado como exemplo o fato de o ministro do Trabalho e Emprego ter ameaçado se demitir caso medidas ligadas a sua pasta fossem adiante sem ele ser ouvido, o que representou parte do embate entre diferentes visões no governo.
O processo de discussão no Executivo deixou a situação do ministro exposta e passou a mensagem, segundo essa visão, de um titular de pasta com menos força e com uma figura arranhada diante do empresariado e da sociedade.
Agora, o mercado aguarda com expectativa principalmente a composição do pacote para saber exatamente em que tipos de ações ele será mais baseado. É esperada principalmente uma mudança significativa em gastos obrigatórios (que incluem saúde, educação e despesas ligadas ao salário mínimo).
Caso o plano seja demasiadamente ancorado em iniciativas de difícil avanço político, pode haver uma reação negativa. Entraria nesse ponto da análise a redução de desonerações tributárias, que atravessam governos sem serem efetivamente alteradas e são estimadas neste ano em R$ 486 bilhões –ou 4,23% do PIB (Produto Interno Bruto).
Quando ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PL), Paulo Guedes chegou a apresentar propostas legais para reduzir o valor total do gasto tributário, mas as medidas foram barradas ou desidratadas —em parte dos casos com respaldo do então governo. Em sua gestão, inclusive, o Executivo acabou tomado medidas na direção contrária –como desonerações para combustíveis.
As mudanças proposta por Haddad são aguardadas em meio a uma preocupação expressa pelos agentes sobre a trajetória do endividamento público ao longo dos anos. Com a piora no resultado das contas públicas e o aumento na taxa de juros, o próprio governo passou a prever neste ano uma dívida bruta acima de 81% do PIB a partir de 2026 –hoje, está em 78,3%.
Em meio à demora, há quem interprete inclusive que o ministro tem feito um “teatro” ao prometer um plano de corte de gastos que nunca chega. De acordo com um representante, o ministro apenas estaria representando os interesses de um governo que, apesar das discussões, defende o gasto.
Mesmo entre os que têm uma avaliação mais crítica, no entanto, a avaliação é de que Haddad continuará tendo a confiança e o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) independentemente do resultado das medidas e das críticas do mercado.
Já entre os mais otimistas sobre a situação do ministro, é dito que Haddad é o maior interessado no anúncio do pacote por querer ver funcionar o desenho do arcabouço fiscal apresentado por ele mesmo no começo do governo –que prevê uma expansão real máxima de 2,5% das despesas federais.
Nesse grupo, é defendido que não haja pressa para anunciar o pacote e que ele seja bem discutido antes de vir a público. A justificativa é não provocar mais embates desnecessários e não haver entraves durante a tramitação.
As medidas precisarão ser encaminhadas ao Congresso e, em parte, demandarão amplo apoio por precisarem de mudança na Constituição. Por isso, parte dos representantes do setor produtivo afirma que dedicar tempo para um bom alinhamento com a classe política é preferível a um anúncio precipitado.
Outro representante afirma que, para um governo que assumiu com o propósito de elevar as despesas públicas, o fato de o Ministério da Fazenda estar defendendo um pacote fiscal representa um avanço significativo. De acordo com essa visão, a divergência é normal e lembra a situação de Guedes ao brigar publicamente contra um plano desenvolvimentista elaborado por colegas do governo em meio à pandemia.
Independentemente das visões sobre o processo de discussão no governo, há consenso de que a interpretação sobre a situação do ministro depende, na verdade, do que será anunciado no pacote. Dali sairá uma visão mais calibrada sobre o sucesso ou não do ministro nas discussões.
A depender do que será apresentado, podem ser recalibrados os fundamentos que têm afetado câmbio, juros e inflação —fatores que podem influenciar o cotidiano da população e afetar a sensação de bem-estar do eleitorado em 2026.
É dito que, como alguém interessado no triunfo eleitoral do PT –e na potencial sucessão de Lula–, ter êxito neste momento pode ser definidor para o futuro político do presidente, do partido e do próprio ministro.
Fábio Pupo/Folhapress