O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, citou o Brasil e fez uma crítica indireta ao presidente Lula (PT) ao dizer que ninguém mexeu com o país vizinho quando Jair Bolsonaro (PL) contestou as eleições vencidas pelo petista em 2022.
“No Brasil, houve eleições o então presidente Bolsonaro disse que haveria uma fraude e não reconheceu o resultado. Houve recurso ante o ‘Tribunal Supremo’ [TSE] e a decisão foi que os resultados eleitorais davam como vencedor o presidente Lula. Santa palavra no Brasil. E quem se meteu com o Brasil?”, afirmou Maduro, durante manifestação a favor do regime nesta quarta (28), um mês após o pleito.
“Você fez um comunicado? [apontando para a plateia] Você? Você? A Venezuela disse algo? Nós só dissemos respeitar as instituições brasileiras, e o Brasil resolve seus assuntos internamente, como deve ser”, disse, antes de citar os atos golpistas do 8 de janeiro de 2021, em Brasília, e afirmar que Caracas condenou de imediato os atos “respaldaram a democracia, a Constituição e o poder estabelecido” no Brasil.
A fala de Maduro é um recado indireto ao presidente Lula, que não reconheceu a reeleição do ditador, chancelada pela suprema corte venezuelana, mas contestada pela oposição e parte da comunidade internacional.
Quando disse não reconhecer a vitória de Maduro, Lula afirmou “não ter os dados” confirmando que o ditador havia vencido, nem que a oposição teria sido a ganhadora do pleito.
A oposição venezuelana afirma que venceu as eleições com base no que afirmam ser as atas eleitorais de cerca de 80% das mesas de votação do país. Com esses documentos em mãos, que foram publicados online, a aliança antichavista diz que González teve 67% dos votos contra 30% de Maduro —grupos independentes dizem que há indícios de veracidade no documentos, enquanto o regime afirma serem falsos.
As atas de votação com detalhes dos votos e discriminadas por municípios e mesas eleitorais não foram divulgadas pelo órgão eleitoral venezuelano, apesar do anúncio dos dados totalizados que teriam dado a vitória de Maduro. No caso brasileiro, boletins de urna impressos ao final da votação contêm os dados detalhados cuja conferência por cidadãos e partidos permite que sejam confirmadas tanto a totalização dos votos como a transmissão correta deles ao TSE.
A alusão ao processo eleitoral brasileiro para rebater críticas a suas próprias eleições não é uma novidade do discurso chavista recente.
Na última sexta (23), ao saudar a homologação da vitória de Maduro pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), o procurador-geral da Venezuela, o chavista Tarek William Saab usou como exemplo de reconhecimento da competência da Justiça para assuntos eleitorais a ação impetrada pelo PL de Bolsonaro contra os resultados do pleito de 2022 —e disse que a oposição venezuelana deveria fazer o mesmo.
Ele não mencionou, porém, que o recurso foi negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e resultou em cobrança de multa de quase R$ 23 milhões da coligação do ex-presidente por “litigância de má-fé”.
Saab também repetiu equívoco cometido pelo TSJ venezuelano na véspera ao tentar usar exemplos internacionais para sustentar a competência da corte para deliberar sobre o assunto. Ele comparou uma decisão do TSE brasileiro ao do TSJ venezuelano —mas o TSE é o equivalente ao CNE (Conselho Nacional Eleitoral), o órgão máximo eleitoral venezuelano, não ao TSJ.
O Brasil inclusive reforçou no início de agosto que cabia ao CNE aclarar a situação eleitoral em Caracas, e não ao Supremo venezuelano.
A reeleição de Maduro tem sido uma pedra no sapato do governo Lula, que mudou de opinião sobre a eleição no vizinho, cujo regime é um histórico aliado petista desde Hugo Chávez, morto em 2013.
Em uma de suas primeiras declarações, o presidente brasileiro afirmou não ver “nada de anormal” no processo eleitoral venezuelano. Com o tempo, e após pressão por posicionamento sobre o pleito, Lula chegou a dizer que Caracas era um “regime muito desagradável” com “viés autoritário” e, por fim, que Maduro estava “devendo explicações”, afirmando que não reconhecia o ditador como vencedor enquanto não houvesse confirmação dos resultados por meio da apresentação das atas de votação.
Desde a data do pleito, uma série de países denunciaram a fraude na eleição e não reconheceram a vitória de Maduro, entre eles os EUA, União Europeia, Chile e Argentina.
Guilherme Botacini, Folhapress