O governo Lula (PT) deixou em segundo plano a estratégia de aproximação com os evangélicos, segmento próximo do bolsonarismo e que registrou aumento de rejeição ao governo no início do ano.
O próprio mandatário reduziu o uso de expressões religiosas em seus discursos, contrariando uma tendência anterior.
Em janeiro, ele mencionou palavras como “Deus”, “fé” e “milagre” em oito ocasiões. Em fevereiro, foram 15; em março, 18.
Em abril, as menções saltaram a 65. Um evento em Arcoverde (PE) se tornou emblemático, pois Lula usou expressões religiosas, em média, uma vez a cada minuto de discurso.
Na ocasião, a fala do presidente teve 11 referências a Deus, além de 16 vezes a palavra “milagre”, duas vezes “crença” e cinco vezes “fé”. Referiu-se uma vez ao “homem lá de cima”.
Isso ocorreu após pesquisa Datafolha revelar, num recorte específico junto ao público evangélico, aumento na reprovação do governo —chegando a 43%, ante 38% em dezembro.
Essa alta na rejeição teve grande peso nas dificuldades observadas na avaliação do governo, que viu pela primeira vez a taxa de reprovação igualar a de aprovação, acendendo uma alerta geral no Planalto.
A Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) também lançou a campanha publicitária “Fé no Brasil”. Oficialmente, integrantes da pasta argumentam que não há tom religioso na campanha e que nenhuma ação de propaganda foi direcionada ao público evangélico.
No entanto, nos bastidores há o reconhecimento no Planalto de que apenas o slogan já é uma forma de vincular o governo a uma expressão religiosa, e assim começar a romper algumas barreiras.
No último mês, o número de expressões religiosas usadas por Lula em discursos caiu para 29.
O levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo reflete como o tema saiu da pauta prioritária de aliados próximos do governo. Aliados de Lula e auxiliares palacianos atribuem essa mudança à tragédia climática no Rio Grande do Sul, que tem centralizado a atenção do governo.
Mas até lideranças religiosas que eram mais próximas do governo se queixam de falta de gestos e dizem que, apesar das sinalizações de alguns ministros, Lula não busca aproximação.
Esses aliados afirmam que as reivindicações do mundo evangélico não prosperam no Executivo. E mais: queixam-se de ações do governo. No exemplo mais recente, citam uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, que proibiu o proselitismo religioso nas penitenciárias.
A medida teve grande repercussão negativa com deputados da bancada evangélica, que dizem terem sido surpreendidos com a norma.
Membros do governo apontam que o ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, recebeu lideranças e pediu por escrito os pontos que o grupo gostaria de modificar. Segundo essas pessoas, o documento nunca foi entregue.
Em outra frente, uma ala dos evangélicos, sobretudo no Congresso, pleiteia maior espaço no governo. A avaliação é a de que a nomeação de Silvio Costa Filho (Republicanos) para o ministério de Portos e Aeroportos não foi suficiente.
Esses interlocutores hoje insatisfeitos com o tratamento do Executivo ao segmento religioso citam que um eventual apoio do Planalto à candidatura do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) à Presidência da Câmara pode refazer os laços.
Primeiro, porque isso significaria uma deferência do governo com o segmento evangélico. Segundo, porque seria um político ligado aos evangélicos com poder de diálogo frente a Lula.
O governo ainda não se posicionou na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL).
Hoje esses aliados do governo reconhecem que o principal interlocutor no governo é o ministro Jorge Messias (Advocacia-Geral da União). Também evangélico, ele recebe semanalmente lideranças do segmento, dizem aliados.
Messias busca ainda fazer a ponte entre as igrejas e a equipe econômica.
O ministro da AGU foi escalado por Lula, inclusive, para comparecer e levar uma carta em seu nome para a Marcha Para Jesus, em São Paulo. Na mensagem, Lula agradeceu o convite para participar do evento, lembrou que ele sancionou a lei que criou a marcha e celebrou a dimensão que o evento ganhou.
Antes da tragédia do Rio Grande do Sul, uma ala do governo buscava alinhar reuniões entre ministros e lideranças evangélicas de grandes denominações, com aval do Palácio do Planalto.
A ideia era amadurecer a relação para possibilitar um encontro com o próprio presidente. Lula, contudo, vinha se mostrando resistente a fazer gestos para recortes específicos da sociedade.
Essas reuniões não aconteceram.
Auxiliares palacianos atribuem isso às enchentes no Rio Grande do Sul, que dominaram a agenda do Planalto. A Casa Civil montou uma sala de situação e direcionou esforços para o enfrentamento à crise no estado.
O ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Paulo Pimenta, um dos entusiastas dessa aproximação com os evangélicos, foi deslocado para a função de ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.
Marianna Holanda/Renato Machado/Folhapress