Indicadores do Brasil pioram sob Bolsonaro, que encerra governo sem marca positiva

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O Brasil assistiu nos últimos quatro anos a retrocessos em áreas como educação, saúde, meio ambiente e área social, mostra a evolução de mais de 100 indicadores do país de 2019 a 2022. Sob o comando de Jair Messias Bolsonaro, o 42º presidente da história e o 8º desde o fim do regime militar (1964-85), o país registrou piora em 63 pontos, melhora em 29 e estabilidade em outros 10.

Na economia, os números coletados pela Folha mostram um equilíbrio precário: o cenário é de muitas incertezas e de alguns avanços obtidos mediante alto custo social.

Bolsonaro, 67, que governou parte do período em meio à pandemia da Covid-19, encerra formalmente sua gestão neste sábado (31) sem uma marca positiva relevante, diferentemente do que conseguiram os antecessores Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), com a estabilização da moeda, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010), com a inclusão social.

Para o levantamento, a Folha coletou dados e estudos de órgãos oficiais nacionais e internacionais, além de fóruns, órgãos de classe e instituições privadas. Foram também ouvidos especialistas, além dos respectivos ministérios.

Na economia, comandada nesses quatro anos pelo ministro Paulo Guedes, o cenário é de equilíbrio nos números (piora em 23 indicadores, melhora em 22 e estabilidade em 4).

Mas parte dos bons resultados está amparada em medidas eleitoreiras tomadas pelo governo em 2022 na tentativa de viabilizar a reeleição de Bolsonaro, que desmontaram o arcabouço fiscal vigente e que podem não se sustentar a longo prazo.

Há dúvidas, por exemplo, se a desoneração que permitiu a redução de preços da gasolina e da conta de luz mediante corte na receita de estados e União será prorrogada.

Parte do revés do governo Bolsonaro também tem relação com os efeitos cumulativos da pandemia e da Guerra da Ucrânia, que trouxeram incerteza ao cenário global e fizeram a inflação disparar nos países avançados e emergentes.

Mauro Rochlin, economista e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), pondera que os indicadores, sem contextualização, podem ser “um pouco enganosos e até um pouco ambíguos”. Como exemplo, cita a inflação.

Se o desempenho atual mostra certa estabilidade, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) permaneceu cerca de um ano no patamar de dois dígitos, corroendo o poder de compra dos brasileiros, principalmente dos mais pobres.

Mesmo com o pacote eleitoral de 2022, o índice vai ficar pelo segundo ano consecutivo acima do teto da meta de inflação.

“Em 2022, tem esse número [IPCA] um tanto quanto artificial e graças a uma política monetária extremamente rigorosa, com uma taxa Selic nas alturas. A gente está falando de um cenário inflacionário razoável a custo de um antídoto muito amargo”, diz.

A taxa básica de juros (Selic) saiu, em março de 2021, do seu mínimo histórico (2%) para encerrar 2022 em 13,75% ao ano. O encarecimento do crédito levou ao aumento do endividamento das famílias e da inadimplência.

Com o impulso dado pela retomada do setor de serviços após restrições na pandemia e uma melhora no mercado de trabalho, o ritmo da atividade econômica veio mais forte do que o esperado nos dois últimos anos. Em 2022, o PIB (Produto Interno Bruto) deve ter alta de cerca de 3%.

Quanto ao resultado fiscal, depois de registrar piora nas contas públicas pelos gastos extraordinários do enfrentamento da pandemia, o governo espera fechar o ano com R$ 36,9 bilhões de superávit primário —o primeiro desde 2013.

Apesar do feito, boa parte do ganho veio do impulso inflacionário sobre a arrecadação e de outras receitas atípicas (como dividendos extras de estatais).

Juliana Inhasz, professora do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), considera que o governo teve avanços na área fiscal, mas a um custo social elevado. A economista ainda lembra que reformas prometidas pela atual gestão, como a tributária e a administrativa, ficaram pelo caminho. O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia também continua travado.

“Existe um ganho no sentido de que houve uma limpeza em parte das contas públicas, o grande problema é que os cortes vieram em áreas que são consideradas prioritárias, como saúde e educação”, afirma.

Entre os pontos positivos, houve melhora no mercado de trabalho, embora a informalidade ainda permaneça alta e a renda média do trabalhador, abaixo de quatro anos atrás.

Ainda em 2019, a gestão Bolsonaro conseguiu, com a ajuda do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), aprovar a mais ampla reforma das regras previdenciárias da história. Foram aprovadas também a autonomia formal do Banco Central e importantes marcos regulatórios, como do saneamento básico. Ficaram para trás, no entanto, reformas como a administrativa e tributária, além da redução dos subsídios —que vão passar a marca de R$ 450 bilhões em 2023.

Na saúde, 6 indicadores pioraram, 1 ficou estável e 1 melhorou.

No período de pico da pandemia, muitas gestantes não tiveram assistência adequada, dizem especialistas. O crescimento da mortalidade materna foi de 77,38% em 2021, comparado com 2018.

“O governo não priorizou, não elaborou, não fez nenhuma referência para gestante com Covid. Elas iam para o mesmo setor que os outros pacientes. Foi um massacre”, disse Fátima Marinho, médica epidemiologista e especialista sênior da Vital Strategies.

Segundo Adriano Massuda, médico sanitarista e professor da FGV, todos os indicadores foram impactados pela pandemia e, principalmente, pela resposta insuficiente do governo.

“Ao analisar os números fica evidente uma queda brusca de procedimentos da atenção primária, apesar de se manter próximo o número de médicos e de agentes comunitários de saúde. Antigamente, teria que ter um médico de 20 a 40 horas para trabalhar na atenção básica semanalmente. Com as novas regras, foi permitida a contratação de profissionais com até 8 horas semanais, diminuindo carga horária e produção”, disse.

Outro dado que chama a atenção é o da cobertura vacinal infantil, que já estava em queda antes do governo Bolsonaro e que se agravou.

Patricia Boccolini, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis do Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto, menciona a proliferação de fake news contra vacinas, a redução de campanhas de conscientização e a retirada da obrigatoriedade da vacina como condicionante do Bolsa Família.

“Não existe caso de poliomielite hoje, por exemplo, por causa do sucesso da cobertura vacinal do passado. A possibilidade da volta dessa e de outras doenças é real.”

Folha de S. Paulo

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