Membros do governo Lula (PT) avaliam que o Executivo não deve se comprometer com o projeto de lei que proíbe delações premiadas de presos e tentam se afastar do assunto, buscando evitar embates no Congresso Nacional.
Na visão de um articulador político do governo no Legislativo, esse assunto não é pauta do Executivo e o Palácio do Planalto deveria centrar esforços em aprovar temas da agenda econômica, como a regulamentação da reforma tributária.
Há ainda a avaliação de auxiliares palacianos de que a pauta carrega um grande potencial de desgaste para o governo, independentemente do lado escolhido.
Lula poderia ter atingida sua imagem junto à opinião pública se defender uma proposta associada com impunidade na sociedade e, no caminho inverso, pode comprar briga com o Congresso, em um momento em que se busca apoio para aprovar as pautas prioritárias.
Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), incluiu na pauta de votações do plenário um requerimento de urgência do projeto.
A urgência foi apresentada pelo líder do PV na Câmara, Luciano Amaral (AL), aliado de Lira, e pode ser votada nesta terça-feira (11). O PV integra a Federação Brasil da Esperança, ao lado do PT e do PC do B.
O instrumento acelera a tramitação de uma proposta, já que ela não precisa ser analisada nas comissões temáticas da Casa e segue direto para o plenário. Caso aprovado, os deputados terão de analisar o mérito da matéria.
Como a Folha mostrou, integrantes de partidos do centrão e da esquerda dão como certa a aprovação da proposta na Câmara e, depois, no Senado.
Pelas regras da Câmara, projetos mais recentes acabam sendo apensados a mais antigos, se o assunto for similar. Por isso, o sistema da Câmara coloca na frente o projeto de autoria do então deputado Wadih Damous (PT-RJ) —atual secretário do Consumidor no governo Lula—, que elaborou a proposta em 2016, no contexto da Operação Lava Jato.
Especialistas divergem sobre a possibilidade da proposta retroagir e anular situações em que já houve delações firmadas com detidos. Em caso positivo, o texto poderia beneficiar, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), alvo da delação do seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, assinada em 2023.
Governistas dizem não poder se posicionar contrariamente ao texto, já que ele foi apresentado por um membro do PT que hoje é secretário no Ministério da Justiça.
Petistas também criticaram duramente o instrumento da delação premiada durante as investigações da Lava Jato, que levou à prisão de quadros influentes da sigla, como o próprio Lula.
Por outro lado, há a avaliação de que a defesa da proposta vai afetar a imagem do governo, sendo associada com a impunidade. Além disso, os relatos de delação contra Bolsonaro, como os de Mauro Cid, foram alguns dos principais focos de desgaste contra o ex-mandatário.
Coibir o mecanismos da delação, argumenta-se, poderia beneficiar o ex-presidente.
Parlamentares da base de Lula também afirmam, sob reserva, que é importante discutir o mecanismo da delação, mas que é necessário tempo. Eles dizem que o tema é considerado delicado e precisa ser mais debatido, além de criticarem o momento em que a matéria é resgatada.
Nesta segunda-feira (10), o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), disse que o governo vai trabalhar para que o PL não se torne tema central na Câmara. Segundo ele, o próprio Lula afirmou a Lira que é preciso cautela dentro da Câmara e do Senado com pautas polêmicas.
“O presidente Lula já manifestou a opinião dele, seja para os líderes, seja para o presidente da Câmara, sobre a necessidade de não se atiçar a beligerância dentro da Câmara e do Senado, de se criar um clima para um ambiente menos violento do debate, inclusive medidas que possam coibir essa intolerância”, disse.
Seguindo a lógica de se distanciar do mérito, Padilha evitou afirmar se o Palácio do Planalto é contra ou a favor do mérito da proposta. Ele apenas disse que o governo tem que trabalhar para que temas polêmicos que dividem radicalmente governistas e oposição não sejam levados a votação pelos deputados.
O texto de Luciano Amaral, que pode ser alterado pelos parlamentares durante as votações, tem apenas dois parágrafos. A proposta estabelece que a voluntariedade para a delação está ausente caso o interessado em colaborar com as autoridades estiver preso.
Líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), nega a existência de pedido para que Lira não paute esses temas, mas que ele garanta “civilidade” na Câmara.
Na última quarta-feira (5), houve embate físico entre parlamentares ao final da sessão do Conselho de Ética que livrou André Janones (Avante-MG) da suspeita de “rachadinha”. No mesmo dia, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), de 89 anos, passou mal e teve que ser internada após discussão sobre um projeto de lei na Comissão de Direitos Humanos da Casa.
Diante do acirramento de ânimo, congressistas pressionaram para que a sessão do plenário da Câmara naquele dia fosse adiada —o que acabou ocorrendo.
“Não há pedido ao presidente Lira para que não paute esses dois temas. Há um pedido para que haja uma ação no sentido de garantir civilidade no tratamento entre os parlamentares na Câmara. Com civilidade, podemos tratar todos os assuntos”, diz o deputado.
Além do projeto contra a delação, também deverá ser votado em plenário um requerimento de urgência de projeto que equipara as penas de homicídio para aborto após a 22ª semana de gestação, demanda da bancada evangélica.
ENTENDA A DELAÇÃO PREMIADA, SUAS CRÍTICAS E O PROJETO EM DISCUSSÃO
O que é delação
A delação premiada, sancionada em 2013 na Lei das Organizações Criminosas, é um meio de obtenção de provas. O juiz pode, em troca de informações úteis para o processo, conceder uma série de benefícios aos delatores, como redução do tempo de prisão, substituição da pena ou mesmo o perdão judicial
Requisitos
Para isso, diz a lei, é preciso que a delação se traduza em resultados, como a identificação de outros envolvidos na organização criminosa, a revelação de sua estrutura hierárquica ou a prevenção de outros crimes
Alterações na lei
As delações premiadas foram modificadas pelo pacote anticrime sancionado em 2019, recebendo uma série de regras para homologação do instrumento, entre elas, a “voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares”
Críticas ao modelo
Quem critica o modelo alega haver risco dos colaboradores imputarem falsas acusações a terceiros na tentativa de conseguir o relaxamento da prisão; usado de forma recorrente na Operação Lava Jato, o presidente Lula (PT) foi um grande crítico dos acordos, e Dilma Rousseff (PT), quem sancionou a lei que previa o instrumento, lamentou a criação do que chamou de “arma de arbítrio”
Projeto na Câmara
O projeto de autoria de Luciano Amaral (PV-AL), aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), altera o dispositivo das delações premiadas para acrescentar que o caráter voluntário da delação está ausente caso o interessado em colaborar com as autoridades esteja preso; também estabelece que a pessoa delatada poderá contestar a validade da colaboração
Urgência na proposta
A Câmara avalia nesta nesta terça-feira (11) o requerimento de urgência para votação do projeto. A proposta foi pautada por Lira e tem o aval de líderes de 13 partidos; o pedido de urgência acelera a tramitação de matérias na Casa, que vão direto a plenário, sem passar por comissões temáticas. Se aprovado, os deputados ainda terão de analisar o mérito
Renato Machado e Victoria Azevedo/Folhapress