O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa de um superávit de R$ 16 bilhões nos últimos dois meses do ano para cumprir a meta fiscal estipulada para 2024, calcula a XP Investimentos.
O valor, considerado factível pelo economista Tiago Sbardelotto, responsável pela estimativa, contrasta com o cenário de ceticismo que antes dominava o mercado financeiro quanto à capacidade do governo de entregar um resultado dentro do alvo.
Neste ano, a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) traçou como objetivo perseguir o déficit zero, mas a meta conta com uma margem de tolerância de até 0,25 ponto percentual do PIB (Produto Interno Bruto) para mais ou menos. Isso significa que um déficit de até R$ 28,8 bilhões ainda é considerado dentro da meta.
Até o mês de outubro, nas contas da XP, o governo acumula um rombo de R$ 66,7 bilhões, mas parte do valor foi gasto com a calamidade no Rio Grande do Sul — desembolsos que o Congresso Nacional concordou em deixar fora das regras fiscais.
Sem isso, o déficit ficará em R$ 44,7 bilhões, a uma distância mais curta do limite inferior da banda de resultado primário.
A análise oferece uma prévia dos resultados das contas públicas no mês de outubro, ainda não divulgados oficialmente e que só devem ser conhecidos no início de dezembro (a divulgação habitual seria fim de novembro, mas a greve dos servidores do Tesouro tem atrasado o calendário).
Os dados foram captados pela XP a partir dos registros públicos de receitas e despesas no Siga Brasil (plataforma mantida pelo Senado). Pela estimativa da instituição, o governo central (que inclui Tesouro, Previdência e Banco Central) teve um superávit de R$ 41,7 bilhões no mês passado.
Técnicos do governo, porém, dizem que o resultado pode ser até melhor, em cerca de R$ 4 bilhões, dadas algumas diferenças nas estimativas de despesas realizadas no período. Se esse cenário se concretizar, a distância para a meta fiscal seria até menor, de R$ 12 bilhões.
Sbardelotto afirma que o alcance do alvo em 2024 tornou-se algo factível. “Quando a gente olha historicamente, em geral tem resultado negativo em novembro, e dezembro por outro lado tem um resultado bem positivo. Nossa conta está dando em torno de R$ 17,5 bilhões [de superávit nos dois meses], um pouco mais do que o governo precisa para atingir o limite inferior da banda da meta”, diz.
No início deste ano, o mercado projetava um déficit maior para as contas públicas. O economista da XP afirma que os analistas erraram no sentido de que havia uma perspectiva de que a economia ia crescer menos, a inflação seria menor e o real estaria mais valorizado.
“No fim do ano, estamos vendo o oposto: economia mais forte, inflação mais alta e câmbio mais depreciado. Tudo isso colabora para a arrecadação crescer. É a parte do erro do mercado. O que o mercado não tinha como prever é essa parte do governo raspar o tacho. Ninguém sabia nem que era possível levantar tanto dinheiro em tão pouco tempo. As medidas foram um divisor de águas”, avalia Sbardelotto.
Ele ressalta, porém, que o desempenho favorável ainda depende justamente dessas medidas extraordinárias, incluindo a incorporação dos R$ 8,5 bilhões esquecidos no SVR (Sistema de Valores a Receber), do Banco Central. A iniciativa, controversa, foi aprovada pelo Congresso, mas ainda requer ajustes para ser implementada.
O fato de o governo ter se ancorado em medidas extraordinárias para elevar a arrecadação também extrapola essa incerteza para 2025. Nas contas da XP, cerca de R$ 90 bilhões em receitas obtidas neste ano não se repetirão no ano que vem, criando um desafio para Haddad e sua equipe no alcance da meta —que também será de déficit zero.
Enquanto isso, o déficit estrutural das contas (que exclui todos os fatores não recorrentes, tanto do lado da arrecadação quanto das despesas), teve uma melhora marginal, de 1,5% para 1,2% do PIB.
“Isso significa que governo vai ter que correr essa corrida toda de novo [atrás de receitas em 2025], e aí começa a esbarrar em dificuldades de cunho prático e político”, afirma Sbardelotto. Segundo ele, o governo precisará de pelo menos R$ 46 bilhões extras no ano que vem para fechar a conta. “Será um desafio maior até do que 2024, mesmo com todo o crescimento da atividade econômica.”
Na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já havia antecipado uma análise geral dos dados de outubro, numa tentativa de apontar para um horizonte mais favorável no momento em que a equipe econômica enfrenta o ceticismo do mercado por outro motivo: a demora no anúncio do pacote de contenção de gastos.
No acumulado até setembro, o governo central (que inclui Tesouro, Previdência e Banco Central) teve um déficit de R$ 105,2 bilhões, mas, segundo Ceron, o rombo cairia a algo em torno de R$ 70 bilhões após o fechamento de outubro. Descontados os valores gastos com a recuperação gaúcha, o déficit já estaria abaixo de R$ 60 bilhões.
“Temos novembro e dezembro para atingir essa diferença [em relação ao limite de R$ 28,8 bilhões. Mas só para mostrar que [o cenário] está bem mais favorável”, afirmou na ocasião.
Em relatório distribuído nesta segunda-feira (11), o economista Thales Guimarães, do Itaú, afirmou que a arrecadação do governo tem se mostrado forte, mas ponderou que “os riscos fiscais continuam elevados”, sobretudo diante da percepção de que as despesas obrigatórias (que incluem benefícios sociais) estão crescendo acima do limite do arcabouço fiscal.
“Para que haja uma maior confiança na sustentabilidade do arcabouço fiscal e subsequente queda da percepção de risco, estimamos ser necessário um ajuste de despesas de pelo menos R$ 60 bilhões, sendo R$ 25 bilhões em 2025 e R$ 35 bilhões em 2026”, diz no documento.
Idiana Tomazelli/Folhapress