Jair Bolsonaro (PL) desembarca nos próximos dias em Los Angeles para seu primeiro encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma agenda vista pelo Palácio do Planalto como a oportunidade para romper a imagem de isolamento e pária internacional do líder brasileiro.
A reunião, realizada em meio à Cúpula das Américas, ocorre um ano e meio após Biden chegar ao poder em Washington, período em que os dois presidentes nunca se falaram diretamente.
A inexistência de diálogo entre os chefes das duas maiores economias do continente americano não é por acaso. Até recentemente, Bolsonaro era considerado uma figura tóxica pela Casa Branca, e assessores de Biden descartaram no início do ano a possibilidade de um telefonema com o brasileiro —um encontro cara a cara estava menos ainda no radar. A guinada na política externa dos EUA é resultado de diferentes fatores.
No plano imediato, a possibilidade de a Cúpula das Américas se transformar em um fracasso diplomático devido à ausência dos países mais importantes da América Latina foi habilmente explorada por Bolsonaro e aliados, que valorizaram o passe da presença do brasileiro.
Mas interlocutores ressaltam que a dinâmica da relação bilateral sofreu alterações recentemente e que temas antes predominantes —como meio ambiente— perderam espaço diante de um quadro geopolítico conflagrado e marcado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
“Trata-se de uma mudança muito profunda da posição dos EUA em relação ao Brasil e ao governo Bolsonaro. Significa uma concessão de legitimidade internacional, a despeito de ele [Bolsonaro] ter uma política ambiental devastadora, de afrontar a democracia e de ter uma posição muito dúbia em relação ao conflito na Ucrânia”, avalia Hussein Kalout, pesquisador na Universidade Harvard e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais.
Para Paulo Abrão, pesquisador na Universidade Brown e diretor do Washington Brazil Office, a reunião bilateral será para Bolsonaro uma oportunidade de “reverter sua imagem de despreparo na arena internacional”. “Ele só tem a ganhar em uma reunião cuja origem é um pedido do próprio Biden, em um contexto no qual os EUA querem o Brasil mais distante da Rússia e da China”, afirma.
Bolsonaro só decidiu viajar a Los Angeles depois de receber um emissário de Biden em Brasília. Além de afirmar que o democrata aceitaria se reunir com o brasileiro à margem da cúpula, o ex-senador Christopher Dodd disse que o governo americano não pretende criar constrangimentos para o líder brasileiro durante o evento.
O Planalto entendeu a mensagem como uma promessa de que Biden não deve fazer cobranças para que Bolsonaro pare de promover ataques golpistas ao sistema eleitoral brasileiro e às urnas eletrônicas.
A possibilidade de uma cobrança do tipo era citada como uma das razões pelas quais Bolsonaro não deveria ir a Los Angeles, principalmente após a agência Reuters divulgar que, no ano passado, o chefe da CIA teria transmitido uma mensagem semelhante durante reuniões em Brasília.
Especialistas convergem na análise de que são baixas as chances de algum anúncio mais robusto após a conversa de Biden com Bolsonaro. Um sinal nessa direção é que diplomatas americanos e brasileiros não estão trabalhando em um comunicado conjunto para a ocasião.
Os efeitos serão principalmente simbólicos, e Bolsonaro parece ser o grande beneficiado. Ao tirar a foto com Biden, ele terá um forte argumento para dizer que, ao contrário do que afirmam seus críticos, não é um líder isolado e sem relevância no cenário internacional.
“A conversa entre os presidentes cobrirá uma gama ampla de tópicos. Insegurança alimentar, resposta econômica à pandemia, saúde. E o tema da mudança climática, algo que o presidente [Biden] tem deixado claro como prioridade”, disse nesta semana Juan González, diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
Ricardo Della Coletta e Rafael Balago, Folhapress