Disputa entre EUA e China dá maior peso à posição do Brasil, diz especialista

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Os apelos feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu discurso na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas nesta terça (19) ganham outro peso em um contexto de acirramento da disputa entre Estados Unidos e China.

A avaliação é da professora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Mônica Herz.

Em sua fala, o petista afirmou que o princípio de soberania entre as nações vem sendo corroído e que as principais instâncias de governança global perderam fôlego. “Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, não da solução.”

Lula enfatizou a emergência de outros espaços multilaterais para além da ONU, pano de fundo de uma conferência esvaziada neste ano em Nova York.

“O Brics surgiu na esteira desse imobilismo e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes. A ampliação recente do grupo na cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21.”

Para Herz, a grande pauta do discurso do petista foi a crise profunda do sistema multilateral. “Lula se coloca como alguém que visa responder a essa necessidade de uma transição muito radical para que essas instituições internacionais não percam totalmente sua legitimidade”, avalia.

Ela destaca que a demanda histórica dos países em desenvolvimento por maior voz nesses fóruns tende a aumentar diante da atual situação geopolítica entre EUA e China. Isso porque os dois polos tentam garantir aliados de cada lado, o que dá maior poder de barganha aos demais países.

Herz rechaça o termo “equidistância” para caracterizar a posição brasileira em relação às duas potências. Para ela, o que o país busca é um “não alinhamento ativo”, em que Brasília almeja uma aproximação maior ou menor a depender do tema.

“Os Estados Unidos, por exemplo, foram fundamentais para impedir a tentativa de golpe no Brasil. Não é na China, por exemplo, que o Brasil vai buscar apoio à democracia, muito menos na Rússia”, afirma.

Por outro lado, o gigante asiático tem um papel incomparável nas relações comerciais brasileiras. “Vejo uma política externa multifacetada”, diz Herz.

Um agravante desse cenário é o crescimento da extrema direita nacionalista, que rechaça mecanismos multilaterais –ponto inclusive citado por Lula em seu discurso. “Claro que o discurso tem linhas de continuidade muito grandes em relação aos outros feitos por ele, mas ele dá um peso maior à necessidade de transformação”, diz Herz.

Apesar das críticas às Nações Unidas, ela defende que o espaço permanece relevante e vai muito além da Assembleia-Geral e do Conselho de Segurança.

“A ONU não é só a questão da segurança, tema no qual tem tido muita dificuldade de agir, mas há também questões como aviação civil, saúde pública. Não temos outro fórum com universalidade e possibilidade de atuação em diferentes esferas como a ONU.”

Fernanda Perrin/Folhapress

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