Bolsonaro diz que Cid “não vai inventar nada” e afirma que pretende abraçá-lo em breve

cid

Um dia antes de se submeter a uma cirurgia para corrigir hérnia de hiato e desvio de septo, na manhã de terça (12), Jair Bolsonaro recebeu a coluna para uma conversa na suíte do hospital Vila Nova Star, em São Paulo.

Na sala estavam os advogados Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação de seu governo, e Paulo Cunha Bueno, além de um assessor pessoal. Entre o almoço e exames pré-operatórios, ele conversou com a coluna sobre as acusações que sofre, a delação premiada de seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, a possibilidade de voltar à Presidência e os medos de ser preso e de morrer.

Assim que o gravador foi ligado, e antes mesmo da primeira pergunta, ele negou que tenha participado de uma tentativa de golpe no Brasil.

“Desde que assumi [como presidente], eu fui constantemente acusado de querer dar um golpe, tendo em vista a formação do meu ministério [com diversos militares em postos-chave], e as minhas posições como parlamentar [de apoio ao golpe de 1964]. Mas vocês não acham uma só situação minha agindo fora das quatro linhas da Constituição. Nenhuma. Não seria depois do segundo turno [das eleições de 2022] que eu iria fazer isso [tentar liderar um golpe]. Muito menos no 8/1. Eu já não era mais nada, estava fora do Brasil.”

ATOS GOLPISTAS

O senhor diz que o ministro Alexandre de Moraes quer de qualquer forma envolvê-lo nos atos golpistas. Mas na verdade há mais quatro inquéritos em andamento [sobre milícias digitais, falsificação de vacinas, venda de joias e ataque às urnas eletrônicas]. Por que o senhor dá mais atenção ao do 8/1?

O 8/1 foi um movimento que, no meu entender, teve a participação do Poder Executivo [referindo-se ao governo Lula]. O nosso pessoal [apoiadores que se manifestavam durante seu governo] sempre foi de paz. Fez movimentos enormes no Brasil todo, e você não via uma cesta de lixo queimada, uma vidraça quebrada.

E o que estamos vendo na CPMI [que investiga os atos golpistas] são imagens apagadas [que registravam o que ocorreu no interior do Palácio do Planalto em 8/1]. E as que vazaram na CNN mostravam o general G Dias [Gonçalves Dias, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Lula] passeando entre “terríveis terroristas e criminosos”, os “golpistas”. Portanto o 8/1 foi um movimento que, no mínimo, contou com a omissão do atual governo.

Eu estava nos EUA e repudiei aquilo. Dei uma bobeada [ao postar uma mensagem na mesma época questionando o resultado das eleições, o que agora está sob investigação]. Eu estava internado, tinha tomado morfina [a defesa alega que isso fez com que ficasse confuso]. E fiz a postagem no dia 10, dois dias depois [do 8/1], quando tudo já tinha acabado.

Então eu vejo que há uma obsessão de alguns de quererem me envolver [numa tentativa golpista].

DELAÇÃO

Como o senhor recebeu a notícia de que o tenente-coronel Mauro Cid fará uma delação premiada no âmbito de inquéritos em que o senhor também é investigado?

Com tranquilidade. Ele foi pessoa de minha confiança ao longo dos quatro anos [de governo]. Fez um bom trabalho. E tinha aquela vontade de resolver as coisas. O telefone dele, por exemplo, eu chamava de muro das lamentações. Não só militares, mas civis que queriam chegar a mim, vinham através dele.

O senhor não tem medo de que ele fale alguma coisa que o comprometa?

Não, não tenho. Ele não participava de nada. Eu estive com o [presidente da Rússia Vladimir] Putin, por exemplo. Estive com o [presidente dos EUA Donald] Trump. Éramos eu e o intérprete. Ele [Cid] nunca estava [presente nas conversas].Ele agendava, ali, os horários de encontros com chefes de Estado, com ministros, com autoridades, com comandantes de força. Mas nunca participou dessas reuniões. Quando você conversa com os [generais] quatro estrelas, não fica nenhum tenente-coronel do lado. Até mesmo por uma questão de hierarquia.

O senhor quer dizer que ele é um personagem menor, lateral, e, portanto, sem informações?

Ele era de confiança. Tratava das minhas contas bancárias. Cuidava de algumas coisas da primeira-dama [Michelle Bolsonaro] também. Era um cara para desenrolar os meus problemas. Um supersecretário de confiança. Fala inglês, é das forças especiais, é filho de um general da minha turma [Mauro Lourena Cid]. Mas ele não participava [de decisões políticas e de governo].

Se você tirar da minha vida os presentes [que ganhou de autoridades estrangeiras e depois foram comercializados por Cid no exterior] e o 8/1, que foi depois do fim do meu mandato, não tem o que falar do meu governo, com todo o respeito. Posso ter tido briga com a imprensa e falado palavrão, porque a gente fica revoltado. Fora isso, não há nada para falar.

O senhor diz isso, mas a proposta de delação dele foi aceita e homologada pelo STF.

Ministros do Supremo foram contra as prisões da Lava Jato que obrigavam o cara [detido] a falar. E [os delatores] falavam qualquer coisa, segundo eles [magistrados do STF], né? [Um dos advogados o interrompe e afirma que o tenente-coronel Mauro Cid sofreu um esgarçamento emocional por ficar preso quatro meses sem denúncia e sem ter como se defender. Bolsonaro diz então que concorda].

Eu vejo da mesma forma que o advogado fala aí. Não tenho nenhuma preocupação com a minha vida particular. Falam muito das contas da Michelle. Ela está tentando pegar o extrato [de contas bancárias] na Caixa, e a Caixa não dá. Eu até perguntei a ela agora há pouco, quanto dava, em média [os gastos dela], por mês. Não chegava a R$ 3.000. É ridículo.

Nas primeiras semanas de governo, a Michelle foi ver o que poderia comprar com cartão corporativo [para cobrir despesas do Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência]. Não podia comprar, por exemplo, ração para cachorro e absorvente. Então ela tem nota fiscal [de gastos próprios] de ração para cachorro, absorvente, gastos de R$ 2,50 na farmácia. Tem tudo. Até me surpreendeu.

Eu sacava por mês das minhas contas, do meu salário de presidente e de proventos de capitão do Exército, em média, R$ 24 mil [que serviriam para cobrir as despesas particulares da família].

Então o senhor acha que o Cid não tem nada para falar…

[interrompendo] O Cid é uma pessoa decente. É bom caráter. Ele não vai inventar nada, até porque o que ele falar, vai ter que comprovar. Há uma intenção de nos ligar ao 8/1 de qualquer forma. E o Cid não tem o que falar no tocante a isso porque não existe ligação nossa com o 8/1. Eu me retraí [depois da derrota para Lula], fiquei no Palácio da Alvorada dois meses, fui poucas vezes na Presidência. Recebi poucas pessoas.

MAURO CID

Ainda sobre o Cid, o senhor tinha afeto por ele.

Tenho, tenho. Sempre o tratei como um filho meu. Eu sinto tristeza com o que está acontecendo, né? Eu não queria que ele estivesse nessa situação. Ele é investigado desde 2021. Por fake news? Por causa das minhas lives, em que eu falava de Covid-19? Qual é a tipificação de fake news no Código Penal? Não tem. É como ser acusado de ter maltratado um marciano. Não existe isso aí. Por que se abre um inquérito dessa forma, e os inquéritos duram para sempre? Qual é a intenção?

Mas qual é o seu sentimento sobre ele depois dessa delação?

Quando eu era segundo-tenente do Exército, fiquei revoltado com um soldado e mandei um relatório para o subcomandante, um tenente-coronel antigão. Ele me chamou e disse: “Reflita sobre o que você escreveu e volte aqui às 16h. E mais: se coloque no lugar do soldado”. Quando voltei, à tarde, pedi para rasgar o que eu tinha escrito. Eu me coloquei no lugar do soldado. E agora, nos meus dias de reflexão, eu me coloco no lugar do Cid. E eu tenho um pensamento sobre ele: eu pretendo –e brevemente, se Deus quiser– dar um abraço nele. É só isso que eu posso falar.

A Polícia Federal também investiga, no âmbito do inquérito do ataque às urnas eletrônicas, uma reunião do senhor com Walter Delgatti da qual Cid teria participado. O senhor não se arrepende de ter recebido, como presidente da República, um hacker que, como diz o Sergio Moro, tinha uma alentada ficha corrida?

Ele estava em liberdade. [Perguntei] O que você tem pra falar? Encaminhei para a comissão de transparência eleitoral [das Forças Armadas]. Ponto final. Com quase 2.000 pessoas presas [pelo 8/1], buscam a pessoa que poderia ter organizado aquilo. O meu celular foi apreendido. Não tem nada a meu respeito. Não tem. Nem forçando a barra vão encontrar algo [que o ligue aos ataques].

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