Arcabouço fiscal enfrenta primeiro teste na Câmara com votação de pedido de urgência; entenda

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O relatório do novo arcabouço fiscal passará pelo primeiro teste na Câmara nesta quarta-feira, 17, com a votação do pedido de urgência (tramitação acelerada). A previsão, porém, é de baixa resistência dos parlamentares, após um mês de intensas negociações para a costura do texto.

Se aprovado, o pedido de urgência garante que o projeto fure a fila de votação e possa ser colocado em apreciação diretamente no plenário, sem passar por comissões. A disposição de votação acelerada já havia sido sinalizada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) ao governo e combinada com líderes partidários.

Ainda que a esquerda, liderada pelo PSOL, demonstre discordância com o texto, e a oposição à direita veja riscos de a aprovação dar força ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os partidos de centro indicaram durante todo o dia de ontem concordância com o relatório elaborado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA).

“Nenhuma das bancadas com quem conversei até agora apresentou resistências”, disse Cajado ao Estadão, enumerando a agenda da terça-feira: reuniões com deputados do Republicanos, PSDB/Cidadania, PP, PT e PCdoB.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou ter recebido a garantia do MDB de que a bancada do partido na Câmara estará “em peso, de forma unitária, unida na votação a favor da urgência do marco fiscal”.

O PSOL se reuniu na tarde da terça-feira e ainda não havia decidido qual deverá ser a posição da bancada. Mas a indicação é a de que o partido vote contra o pedido de urgência para sinalizar que é contra o texto do arcabouço fiscal.

Para integrantes da sigla, que tem 14 deputados na federação com a Rede Sustentabilidade, a proposta de ajuste das contas públicas, que já avaliavam como negativa, ficou mais restritiva após a intervenção de Cajado, o que deve prejudicar o governo.

Mas os olhos de todos os deputados estão voltados para o PT, a sigla de Lula e cujos líderes se comprometeram, em reunião na residência oficial de Lira na segunda-feira, 15, a entregar votos a favor da medida – após uma “enquadrada” do presidente. O acordo foi selado na frente – e com a anuência – do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

Líder do PT na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) avisou Cajado que o PT entregará 100% dos votos na votação do pedido de urgência. O partido quer sinalizar, tanto para a própria base no Congresso como também para fora, que é capaz de organizar seus apoiadores no Legislativo para as “pautas importantes”, como resumiu um petista.

Como mostrou o Estadão, os aliados de Lula no Congresso trabalham para usar a votação do arcabouço como uma amostra de que o governo é capaz de aprovar a reforma tributária ainda neste ano, revertendo a imagem de base fraca deixada pela derrota na Câmara com os decretos do saneamento.

“O PT está com o pé no chão, entende que não é um texto 100%, não é o ideal, mas é o fundamental para se votar neste momento”, afirma o deputado José Neto (PT-BA).

Emendas

A disputa começa hoje, mas deve esquentar até a próxima quarta-feira, 24, quando há previsão de votação do mérito, ou seja, do relatório em si. Até lá, a expectativa é a de que o PL e o PSOL façam propostas de emendas e testem críticas ao relatório de Cajado.

Do PL, a expectativa é a de que se apresentem tentativas de ampliar as punições ao governo em caso de descumprimento da meta. O relatório de Cajado endureceu o texto elaborado pela Fazenda e incluiu sanções caso o governo não cumpra a meta fiscal estipulada, tornando obrigatório que o gestor acione os mecanismos de contenção de despesas para corrigir a rota.

Outra crítica que aparece nos discursos da oposição é a de que o governo parte de um patamar elevado de despesas, após a aprovação da PEC da Transição, que ampliou o Orçamento em R$ 145 bilhões. Com a regra, terá chance de ampliar ainda mais os gastos em termos reais (acima da inflação).

“O relator trouxe bom senso ao debate, e o governo teve de se submeter a esse bom senso”, afirma o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).

Do lado do PT, um dos pontos que suscitam queixas são as chamadas exceções à regra de contenção de despesas. Cajado recolocou sob o limite de gastos o piso da enfermagem, despesas com capitalização de empresas estatais não financeiras e os gastos com o Fundeb.

Deputados da sigla dizem que tentarão, até a próxima semana, convencer Cajado de que as despesas podem voltar para a lista de exceções, como constava no texto da Fazenda. Mas afirmam que não pretendem levar isso a votação no plenário, o que significaria uma quebra de acordo – e a liberação para que outras bancadas apresentem ressalvas que podem atrasar a tramitação do texto.

Aceno ao PT

Numa sinalização ao PT, Cajado fixou em seu texto que a contratação e o reajuste de servidores são afetados apenas no segundo ano após o descumprimento da meta fiscal. E ainda limitou o contingenciamento (bloqueio preventivo de recursos) em 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), como investimentos.

O relator deixou ainda expresso no texto, a pedido de Lula, que o reajuste real do salário mínimo não será afetado pela norma, uma vez que será objeto de lei específica. Por outro lado, não criou salvaguardas ao Bolsa Família, como desejava o presidente.

Em entrevista na manhã da terça-feira, 16, o relator afirmou, porém, que deixou uma válvula de escape. Caso Lula insista em reajustar o Bolsa Família acima da inflação, mesmo com as contas públicas fora da meta, poderá propor ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar informando qual medida compensatória irá adotar para promover economia semelhante ao gasto produzido com o reajuste do benefício.

O ônus do governo, neste caso, é obter a aprovação da maioria absoluta dos deputados e senadores, uma vez que um projeto de lei complementar depende do aceite de 50% da Casa – no caso da Câmara, 257 deputados.

A trava ao reajuste real do Bolsa Família é um dos gatilhos acionados caso o governo não cumpra a meta fiscal. No primeiro ano de descumprimento, o crescimento das despesas obrigatórias, grupo no qual o Bolsa Família se insere, seria congelado. A válvula de escape permite ao governo manejar essa trava.

Mariana Carneiro/Estadão Conteúdo

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