Aceno do governo Lula a estados endividados cria insatisfação com Norte e Nordeste

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A decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de renegociar a dívida dos estados abriu uma nova frente de insatisfação entre governadores do Norte e Nordeste, que estão menos endividados e reivindicam medidas alternativas para contemplar as regiões.

Apenas quatro estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) concentram, sozinhos, 87% da dívida consolidada líquida de todos os entes da Federação, estimada em R$ 826,4 bilhões no fim de 2023.

Por definição, eles tendem a ser os mais beneficiados pela repactuação —que pode envolver uma redução nos juros da dívida e, eventualmente, revisão do estoque acumulado até hoje.

No Nordeste, os principais contemplados devem ser Bahia, Pernambuco e Alagoas. Ainda assim, a magnitude é bem menor: juntos, esses estados têm uma dívida consolidada líquida de R$ 43 bilhões.

Hoje, os débitos são corrigidos por IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa real de 4% ao ano. Os estados do Sul e do Sudeste querem mudar para uma correção fixa de 3% ao ano. Eles também querem a revisão do estoque e calculam um alívio de 15% no valor devido.

O governo federal ficou de apresentar uma proposta em reunião com os governadores na terça-feira (26). O indicativo da União deve ser o de alterar a correção da dívida para IPCA mais 3%, o que está aquém das expectativas dos estados mais interessados e deve manter o impasse em aberto.

Além disso, representantes dos estados menos agraciados pela negociação passaram a criticar nos bastidores o fato de a União, mais uma vez, acenar com uma flexibilização para os endividados, muitos dos quais descumpriram regras, concederam reajustes sem as devidas compensações ou recorreram à Justiça para não pagar as prestações da dívida em dia.

A possibilidade de São Paulo ser beneficiado com o alívio também tem causado ciumeira nos estados mais pobres, principalmente do Nordeste, porque o governo paulista tem se vangloriado de que está com as finanças saudáveis.

Politicamente, o tema é sensível porque o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro e adversário de Lula.

Ainda assim, os representantes da região não querem prejudicar aqueles estados do Nordeste que serão beneficiados. Por isso, o foco é reivindicar outras medidas adicionais para “premiar” bons pagadores, como mais acesso a crédito para investimentos, taxas de juros menores e prioridade na indicação de projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) esteve na semana passada em reunião com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, para discutir o tema.

“Não cabe à Federação ficar eternamente pagando a conta de péssimas gestões. Isso vai ter que ser equacionado, nós somos um único país, mas é preciso ter uma distribuição mais racional e um estímulo para aqueles que fazem o dever de casa”, disse à Folha.

Vieira reconheceu que os estados endividados precisam de ajuda para “se mostrarem viáveis”, mas defendeu levar em consideração o comportamento de cada um diante dos vários acordos já firmados.

“Existe uma prática reiterada de descumprimento das condições, apostando numa nova possibilidade de refinanciamento futuro. Tem que começar a fazer uma separação, punindo ou restringindo a atuação dos gestores. Até para garantir que daqui a alguns anos a gente não estará discutindo um novo socorro”, afirmou.

O descumprimento reiterado de regras também incomoda técnicos do Executivo. Membros do Tesouro Nacional dispararam para outros interlocutores do governo uma espécie de resumo do quadro fiscal do Rio de Janeiro, que está no RRF (Regime de Recuperação Fiscal) desde 2017.

O diagnóstico do Tesouro é que, nos últimos dois anos, o Rio dedicou mais espaço fiscal à expansão de gastos com pessoal do que ao pagamento de sua dívida.

Enquanto o aumento da folha foi de R$ 17,5 bilhões entre 2021 e 2023, incluindo Legislativo e Judiciário, o estado pagou só R$ 5,6 bilhões de sua dívida, segundo dados oficiais.

Técnicos lembram ainda que, em 2021, o governo fluminense embolsou R$ 18,2 bilhões com o leilão de concessão da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), cujas ações eram dadas como contragarantia em um empréstimo que a União quitou no lugar do estado, e recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para não precisar reembolsar o governo federal. O pagamento de R$ 4,3 bilhões foi diluído em 30 anos.

Minas Gerais, por sua vez, conseguiu aderir ao RRF graças a uma liminar do STF, mas não conseguiu ir adiante em praticamente nenhuma das medidas de ajuste, como venda de ativos ou revisão de benefícios ao funcionalismo. O estado também ampliou sua fatura de gastos com pessoal.

Técnicos de estados que reivindicam a renegociação ponderam que não é viável manter salários congelados por muito tempo e que, com o tempo, há uma espécie de “fadiga fiscal”. Nesse cenário, há necessidade de dar algum fôlego.

A questão é que alguns têm exagerado na dose e usado um “balão de oxigênio inteiro” ao decidir os reajustes salariais, reconhecem alguns técnicos.

Outro argumento usado pelos estados endividados é que o governo federal já concede juros subsidiados para o agronegócio, no Plano Safra, e a parte da indústria, via projetos de inovação. Por isso, na visão deles, faria sentido subsidiar as políticas públicas tocadas pelos governos estaduais.

Autor e relator de leis de renegociação aprovadas nos últimos anos pelo Congresso, o deputado Paulo Paulo (PSD-RJ) defende a criação de um Desenrola para os estados superendividados saírem da espiral de programas que não deram certo.

“Após três décadas na UTI, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul viraram simplesmente gestores de folha de pagamento e não conseguiram sair [dos programas] e resolver o problema”, criticou. Para ele, é equivocada a estratégia dos governadores de trazer os demais estados para a renegociação das dívidas.

O deputado apresentou um projeto de renegociação que prevê um corte inicial de 15% no estoque e descontos adicionais para os superendividados em três magnitudes —5%, 10% e 15%—, que aumentam à medida que melhoram os indicadores de segurança pública, saúde e educação.

“São Paulo tem uma dívida gigante, mas tem economia e consegue pagar essa dívida. Não é uma questão de vida e morte para ele”, disse.

O secretário de São Paulo, Samuel Kinoshita, disse à Folha que a renegociação dos cerca de R$ 279 bilhões devidos à União permitirá uma redução “de bilhões” no custo anual dos encargos (hoje em R$ 19 bilhões). O estado quer utilizar o alívio nas parcelas para aumentar os investimentos.

A proposta de renegociação que está em discussão foi puxada pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que, mesmo tendo feito um ajuste amplo que incluiu privatizações, continua tendo dificuldades.

Para ele, a dívida dos estados superendividados é impagável e compromete investimentos, a competitividade das empresas e o PIB (Produto Interno Bruto) do país.

O movimento para uma nova renegociação ganhou fôlego no final do ano passado, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entrou em campo para buscar um acordo para a dívida do seu estado.

Nas vésperas de votações de projetos importantes para o ministro Fernando Haddad (Fazenda) ampliar a arrecadação federal, Pacheco apresentou a Lula uma proposta de renegociação que incluía a federalização de empresas estaduais e um “Refis dos estados”.

No dia seguinte, a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado destravou a pauta e aprovou projeto para taxar os fundos dos super-ricos e os mantidos no exterior por meio de offshores.

Com pretensão política de ser governador de Minas e de olho no apoio do governo Lula, Pacheco facilitou a votação dos projetos de interesse do governo.

Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes/Folhapress

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