Por que Lula e Bolsonaro se ausentaram da campanha eleitoral em São Paulo?

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Eles anunciaram um duelo nas eleições municipais, mas a ameaça ficou só no papel. Em São Paulo, a capital mais cobiçada desta disputa, nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mergulhou na campanha de Guilherme Boulos (PSOL), candidato apoiado pelo PT, nem o ex-presidente Jair Bolsonaro entrou como cabo eleitoral do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que concorre a novo mandato com apoio do PL.

Desde que ocupou o Palácio do Planalto pela primeira vez, em 2003, Lula nunca esteve tão ausente de um confronto político como agora. Neste segundo turno, por exemplo, ele desembarcou apenas em Fortaleza (CE), Natal (RN) e Camaçari (BA).

Lula pretendia participar neste sábado de uma caminhada na Avenida Paulista com Boulos e Marta Suplicy (PT), vice na chapa, mas desmarcou o compromisso. Os médicos o aconselharam a não viajar de avião depois que ele caiu no Palácio da Alvorada, bateu a cabeça e precisou levar cinco pontos na nuca, há uma semana.

Bolsonaro, por sua vez, apareceu ao lado de Nunes somente na última terça-feira, 22, após quase 70 dias de campanha. Até então, não havia pedido votos para o prefeito nem mesmo no horário eleitoral gratuito porque, de acordo com interlocutores, se sentiu preterido e ficou irritado. “A campanha, aqui, não é minha”, destacou o ex-presidente, em São Paulo.

Pesquisas feitas pelo comitê de Nunes sempre apontaram que o prefeito perderia mais do que ganharia ao colar sua imagem à de Bolsonaro. Um estudo preparado pelo marqueteiro Duda Lima – aquele que no primeiro turno levou um soco do assessor do candidato do PRTB, Pablo Marçal (PRTB) – também indicava que a capital paulista tinha perfil de centro-esquerda.

“O pessoal da direita perturbou muito o Bolsonaro no começo, com a entrada do Pablo Marçal. A eleição em São Paulo estava tranquila. Aí veio o Marçal explodindo com tudo, xingando todo mundo, fazendo o diabo. Virou uma loucura”, disse ao jornal O Estado S.Paulo, Valdemar Costa Neto, numa referência ao influenciador que ficou em terceiro lugar na disputa. “Mas São Paulo não precisava tanto do Bolsonaro. Precisava mais do Tarcísio”, completou ele, ao citar o governador Tarcísio de Freitas.

O silêncio de Bolsonaro incomodou Tarcísio. O governador chegou a viajar para Brasília, em 4 de setembro, só para pôr panos quentes em desavenças entre o ex-presidente e a campanha de Nunes e pedir que ele ajudasse o prefeito. Argumentou que, se a direita quisesse conquistar o governo paulista e o Planalto, em 2026, precisava fincar estacas na capital agora. Não adiantou.

Bolsonaro indicou o coronel Mello Araújo, ex-comandante da Rota, como vice na chapa do prefeito, mas admitiu que Nunes não era seu “candidato dos sonhos”. Com esse diagnóstico, partiu para a campanha em capitais onde disputa a hegemonia da direita, como Goiânia. Lá, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, pré-candidato à Presidência, apoia Sandro Mabel (União Brasil) enquanto Bolsonaro faz tudo para impulsionar o nome de Fred Rodrigues (PL).

O ex-presidente também fez um périplo, nos últimos dias, por Cuiabá, Manaus, João Pessoa, Belo Horizonte, Palmas, Santarém, Anápolis, Aparecida de Goiânia e Santos. Ele ainda queria ir a Curitiba, nesta semana, para pedir votos à candidata do PMB, Cristina Graeml, mesmo tendo o PL, seu partido, apresentado o vice na chapa de Eduardo Pimentel (PSD), que conta com o apoio do governador do Paraná, Ratinho Júnior.

Valdemar Costa Neto ficou desesperado. Como não podia falar com Bolsonaro, por causa de uma ordem judicial emitida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, acionou o senador Rogério Marinho (RN), secretário-geral do PL.

“Eu mandei um recado para o Bolsonaro pelo Rogério Marinho. Falei: ‘Nós temos um aliado lá que é de direita e defende as pautas da direita, que é o Ratinho. Sempre o prestigiou e é um governador bem aprovado. Você vai ficar mal com ele?’”, contou Valdemar. “Depois disso, ele (Bolsonaro) maneirou”.

As eleições desta temporada mostraram, porém, que, na maior parte das disputas municipais, a polarização ocorre apenas nas chamadas “bolhas ideológicas” das redes sociais.

Em dezembro do ano passado, por exemplo, Lula tinha feito um prognóstico que acabou não se concretizando. Ao participar da Conferência Eleitoral do PT, disse que a polarização voltaria nos embates para as prefeituras. Não foi bem o que se viu.

“Eu, sinceramente, acho que vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições nos municípios. E vocês sabem que não podem aceitar provocação, ficar com medo, ficar com vergonha, enfiar o rabo entre as pernas”, previu o presidente. “Prometo ser um bom cabo eleitoral.”

Derrotado no primeiro turno em Belo Horizonte, o deputado Rogério Correia (PT-MG) não escondeu a decepção com a ausência de Lula em seu palanque, embora tenha tentado poupar o amigo, que conheceu em 1979, durante uma greve.

“A gente tinha a expectativa de que o presidente viesse, sim. Em São Paulo, ele foi. Mas precisamos entender que ele tem muitos compromissos, inclusive internacionais”, amenizou Correia.

Lula preferiu gravar lives a subir no palanque de candidatos do PT ou mesmo de concorrentes de partidos apoiados por ele para não sofrer reveses em votações no Congresso. Além disso, não quis associar sua imagem a campanhas onde a derrota era dada como favas contadas.

“Eu tenho uma base de apoio no Congresso que extrapola o meu partido. Vou fazer campanha, mas com muito cuidado, porque também não posso ser pego de surpresa e ter um revés no Congresso Nacional de descontentamento”, admitiu o presidente, em junho, em entrevista a uma rádio de Fortaleza.

A capital do Ceará se tornou, hoje, o exemplo mais simbólico da disputa entre o PT de Lula e o PL de Bolsonaro. Lá, os candidatos Evandro Leitão (PT) e André Fernandes (PL) estão tecnicamente empatados, de acordo com as pesquisas de intenção de voto.

A possibilidade de vitória em Fortaleza fez o PT brigar com o PDT e é vista por petistas como a chance de retornar o comando de uma capital do Nordeste. Atualmente, o partido não administra nenhuma capital.

Circunstâncias políticas são mais importantes do que padrinhos

Logo que o PT passou para o segundo turno em 13 cidades, sendo quatro capitais, o comando do partido pediu a Lula para intensificar a presença em locais estratégicos, mesmo porque, na outra ponta, o PL de Bolsonaro havia recebido sinal verde para a segunda rodada em 23 cidades, nove capitais.

São Paulo e Fortaleza são prioridades para o PT. Mas Lula cancelou dois atos com Boulos, na periferia, por causa das chuvas. No lugar do comício, fez uma live com o candidato do PSOL. No primeiro turno, ele também já havia desmarcado compromissos.

“A agenda do presidente Lula é muito carregada e, em muitos locais, partidos que compõem o governo de coalizão estão disputando prefeituras. Foi por isso que ele não pôde estar tão presente na campanha”, disse ao Estadão a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Para o cientista político Carlos Melo, os padrinhos políticos não têm mais tanto peso quanto se imagina como avalistas dos candidatos. “As circunstâncias são muito mais importantes do que esses personagens”, afirmou Melo, que é professor do Insper. “Nunes não quis andar de braço dado com Bolsonaro para não perder autonomia. Já a campanha de Boulos pecou por ficar muito tempo tentando convencer o eleitor de que ele é um bom rapaz, sem fazer interlocução com setores importantes, como o das mulheres, nem ultrapassar os limites da esquerda”, emendou.

Na sua avaliação, o primeiro turno das eleições mostrou que Bolsonaro perdeu o protagonismo na direita porque está inelegível até 2030 e não gera mais expectativa de poder.

É por isso que ele usa o palanque das disputas municipais para fazer a pregação da anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, incluindo no pacote a tentativa de derrubar sua inelegibilidade. E, nessa toada, não deixa nenhum nome da direita pôr a cabeça para fora e ocupar o seu lugar.

Melo observou, ainda, que frentes amplas de apoio não podem ser construídas na “afobação” do segundo turno. “Se o governo é estreito, não é uma campanha que representa esse governo, como a de Boulos, que vai ser ampla em São Paulo”, resumiu o cientista político.

Vera Rosa/ Estadão

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