O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo avalia três alternativas para responder à derrubada da alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras): ir à Justiça contra a decisão do Congresso, buscar uma nova fonte de receita ou fazer um novo corte no Orçamento que “vai pesar para todo mundo”.
Em entrevista ao C-Level Entrevista, novo videocast semanal da Folha, o ministro afirmou que a decisão será tomada pelo presidente Lula (PT), mas defendeu a judicialização. “Na opinião dos juristas do governo, [a decisão do Congresso que derrubou o decreto do IOF] é flagrantemente inconstitucional.”
Haddad disse que acreditava ter chegado “num baita de um acordo” para calibrar as alíquotas do imposto quando se reuniu com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), na noite do dia 8.
“Saí de lá imaginando que estava tudo bem. Não só eu, todo mundo. Eu não sei o que mudou. Eu não consigo… O que mudou daquele domingo para hoje?”, declarou, quase 20 dias depois da reunião, aos jornalistas Adriana Fernandes, Bruno Boghossian e Camila Mattoso.
O ministro relatou que só foi informado da decisão da Câmara de votar a derrubada do decreto de Lula na manhã de quarta-feira (25), horas antes da votação, e que não falou com Motta durante o dia, sinalizando uma piora na relação de proximidade que os dois haviam construído anteriormente. “Eu acordei com uma ligação da Gleisi [Hoffmann, ministra das Relações Institucionais ]”, contou.
Haddad afirmou que o governo vai reforçar o discurso de justiça tributária, com redução da carga tributária dos mais pobres e cobrança de mais impostos dos mais ricos. “Se a turma da Faria Lima está incomodada, tudo bem.”
O ministro revelou ainda que o governo só deve apresentar em agosto a proposta de corte de 10% de isenções fiscais, contrariando a previsão feita pela Fazenda de que o texto seria divulgado nesta semana.
Ele diz acreditar que as eleições presidenciais de 2026 serão apertadas, mas que Lula deve chegar “competitivo” à disputa. Indicou que o governo não deve oferecer no ano eleitoral um reajuste para o Bolsa Família, cujos benefícios estão no mesmo valor desde 2023.
O que acontece agora com a derrubada do IOF? Novas medidas serão necessárias? Haverá um congelamento de despesas maior, atingindo emendas parlamentares?
Vamos ver agora qual vai ser a decisão do presidente, que pode ser de questionar a decisão do Congresso. Tem três possibilidades. Uma é buscar novas fontes de receita, o que pode ter a ver com dividendos, com a questão do petróleo, tem várias coisas que podem ser exploradas.
A segunda, é cortar mais. Além dos R$ 30 [bilhões contingenciados], mais R$ 12 [bilhões]. Vai pesar para todo mundo. Vai faltar recurso para a saúde, para a educação, para o Minha Casa, Minha Vida. Não sei se o Congresso quer isso.
E a terceira é questionar a decisão que, na opinião dos juristas do governo, que tiveram muitas vitórias nos tribunais, é flagrantemente inconstitucional.
Sendo uma prerrogativa legal, nem nós devemos nos ofender quando um veto é derrubado e nem o Congresso pode se ofender quando uma medida é considerada pelo Executivo incoerente com o texto constitucional.
Qual é a opinião do sr.?
Eu sempre vou defender a Constituição. Se houver uma manifestação da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] ou da AGU [Advocacia-Geral da União] dizendo que o decreto legislativo é inconstitucional, eu sou pela Constituição. E eu penso que o Congresso também vai defender a Constituição. Quando o inverso acontecer, se o Executivo usurpar uma competência do Legislativo, o Congresso vai se defender.
O sr. está tratando a derrubada do decreto do IOF com naturalidade. Há espaço para um diálogo com o Congresso Nacional? O clima no Congresso está muito tensionado. Uma das razões que as lideranças apontam é justamente o movimento do governo contrapor o andar de cima com os pobres
Lá tem parlamentares de todos os matizes. Tem parlamentares que são muito associados a bancos, tem parlamentares associados a sem-terra, tem parlamentares associados a sem-teto, tem parlamentares associados a bets. Tem 513 parlamentares.
O que nós estamos defendendo de tão grave? Nós estamos defendendo que o rico que não paga imposto passe a pagar.
Eu não considero normal um dos dez países mais desiguais do mundo aceitar que quem tem mais de R$ 1 milhão de renda anual pague uma alíquota de Imposto de Renda de 2,5% em média, quando a professora da escola pública paga 10%.
O que se vê na prática é uma derrota muito importante do governo no Congresso.
Mas não é a primeira.
E provavelmente não será a última.
Nós temos um sistema de governo hoje completamente diferente do que existia no Brasil. A gente está jogando o jogo diferente, mas com resultados importantes. Agora, quando você fala em derrota, dá uma impressão de que o Congresso não colaborou com o governo.
No placar de vitórias e derrotas, o jogo está favorável ao Brasil. Porque se o jogo não estivesse favorável à área econômica, você ia ver onde estava esse dólar, o desemprego, a inflação. Você ia perder o controle da economia.
É porque o Congresso tem sido, na maioria dos casos, sensível às teses do governo que nós estamos avançando.
Não interessa a ninguém esse clima, essa disputa, essa guerra?
Veja só. Pode ser que alguém faça um cálculo… Eu nem vou nomear, porque eu não conheço a pessoa que faça esse cálculo, mas pode ser que alguém faça esse cálculo: “Vamos prejudicar o Lula porque isso vai ter impacto em 2026”.
Nós estamos reconstruindo as contas públicas. Isso [desequilíbrio das contas] vai ser ruim para qualquer pessoa eleita no ano que vem.
A disputa vai ser acirrada de qualquer jeito. Já que isso é um dado, não é melhor garantir condições de governabilidade para quem quer que seja?
Ainda que signifique perder a eleição?
Olha, a vitória de Pirro eu já vi muitas acontecer. Você ganha e não leva, porque você não governa. Você não consegue estabilizar o país. A grande virtude do presidente Lula é que ele é um negociador. Vocês têm lembrança de um ministro da Fazenda sentar tantas vezes com congressistas em função de uma agenda econômica?
Desta vez o sr. sentou com os congressistas e o resultado foi negativo.
Eu fui, passei cinco horas negociando uma medida provisória e a revisão de um decreto. Saí de lá imaginando que estava tudo bem. Não só eu. Todo mundo. Eu não sei o que mudou.
[Falou-se que] foi uma noite histórica.
Mas não fui nem eu que disse isso [o ministro falou em “reunião histórica”, enquanto o presidente da Câmara citou uma “noite histórica”]. Eu saí de lá crente que nós tínhamos chegado a um baita de um acordo. E isso não se traduziu naquilo que imaginamos. Eu vou procurar rever o que aconteceu.
Houve um passo em falso nesse sentido? O governo cometeu algum deslize nesse processo?
Se eu te disser que eu sei exatamente o que aconteceu depois do domingo, eu não sei te responder. As teses são as mais incríveis.