Governo quer afastar regra do arcabouço para aumentar gastos com pessoal e isenções em ano eleitoral

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta afastar uma regra do arcabouço fiscal para aumentar os gastos com pessoal e benefícios tributários em 2026, ano eleitoral.

O arcabouço proíbe a ampliação dessas despesas caso a União tenha déficit em 2025 — o que deve ocorrer. A equipe econômica projeta que haverá um resultado negativo em R$ 73,5 bilhões nas contas públicas neste ano.

As consequências do dispositivo colocaram o governo em lado oposto ao do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Congresso, com divergências que vão desde a interpretação gramatical da lei até as consequências para o endividamento público.

A regra foi proposta pelo governo e entrou na lei do arcabouço em dezembro 2024 como parte do pacote de corte de gastos. Menos de um ano depois, o próprio governo tenta afastar a aplicação da regra em 2026 pelo projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em tramitação no Legislativo.

O Executivo entende que a proibição do arcabouço só valeria para 2027, mas esse não é o entendimento do TCU e das consultorias de Orçamento do Congresso, que veem impactos em 2026 e afirmam que o governo não poderia mudar isso via LDO.

O relator da LDO no Congresso, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), retirou a medida do texto, provocando discordância com o Executivo. Esse é mais um ponto que divide o governo e o Congresso para a votação da proposta, atrasada há mais de dois meses.

O que diz a regra do arcabouço fiscal

Em caso de déficit em 2025, o governo está proibido de aumentar as despesas com pessoal e encargos para além de 0,6% em termos reais, até que haja superávit. O Executivo programou um aumento nominal de 10,1% nessas despesas em 2026, que daria um aumento real maior do que 4%, acima, portanto, do limite.

O déficit em 2025 também torna ilegal a promulgação de qualquer lei para concessão, ampliação ou prorrogação de renúncia de receita — isso inclui isenções no Imposto de Renda e qualquer aumento de benefício fiscal que o governo quiser dar a empresas — como é o caso, por exemplo, do Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (Redata).

Ao propor a regra, em 2024, a equipe econômica deu uma interpretação que a restrição só passaria a valer em 2027, pois o resultado fiscal de 2025 apurado pelo Banco Central só será conhecido no início do ano que vem. Ao enviar o projeto da LDO, em abril deste ano, no entanto, o governo propôs explicitamente o afastamento da regra em 2026.

Governo diz que restrição não vale para 2026

O Ministério do Planejamento e Orçamento enviou ao Estadão o mesmo posicionamento enviado ao Congresso com o Orçamento de 2026 e afirmou que não faria comentários adicionais.

O governo argumenta que a regra do arcabouço estabelece a proibição “no exercício subsequente ao da apuração” do resultado primário de 2025, que é conhecido no início de 2026. Portanto, o gatilho só seria acionado em 2027.

Por que então o governo propôs o afastamento da regra em 2026 na LDO? A resposta do Executivo é que a medida “tem como objetivo esclarecer a aplicação” de que a regra do arcabouço não valeria para o próximo ano.

“Tal orientação, além de gramaticalmente adequada e alinhada com a intenção do legislador, é também aquela que possibilita a implementação efetiva das restrições, que devem ser observadas na elaboração do PLOA 2027 (Orçamento de 2027), conforme estabelece expressamente o inciso II do art. 6º-A (arcabouço fiscal)”, diz a mensagem.

O que dizem os técnicos do TCU e do Congresso

O TCU e as consultorias de Orçamento do Congresso alertaram que a regra do arcabouço fiscal vale para 2026 e que a mudança não poderia ser feita via LDO — uma lei ordinária — pois a norma está fixada em uma lei complementar, com peso maior. Além disso, os técnicos apontaram para o risco de a medida comprometer a estabilização da dívida pública.

“A lei complementar que instituiu regime fiscal sustentável (LC 200/2023) foi clara no sentido de que, em caso de apuração de déficit primário do governo central em 2025 (conforme metodologia do Banco Central do Brasil), ocorrência que se afigura inevitável, dada a evolução das contas públicas neste exercício, incidirão já em 2026 as medidas de ajuste fiscal especificadas”, diz o relatório do TCU.

“Propostas que pretendem afastar essas medidas de ajuste para possibilitar aumento de despesas em ano eleitoral são ilegais, altamente danosas para as finanças públicas e vão de encontro ao princípio da responsabilidade na gestão fiscal”, complementa a Corte de Contas no relatório de acompanhamento do projeto da LDO.

As consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado afirmaram, em nota conjunta, que a medida “juridicamente não pode prevalecer”. “É como se o PLDO 2026 adiasse a eficácia da norma geral para 2027, sem competência para fazê-lo”, dizem os consultores.

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